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Ensino de métodos consensuais em Direito é compatível com nova realidade social e jurídica, diz desembargador
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 03/03/2019 10:00

Conciliação, mediação e arbitragem serão matérias obrigatórias, a partir deste ano, nas grades curriculares dos cursos de Direito das instituições de ensino superior públicas e privadas em todo o país. A medida consta da resolução CNE/CES 5/2018 do Ministério da Educação (MEC), que institui o prazo de dois anos para que as universidades se adaptem às novas diretrizes.

Para o presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Cesar Cury, o ensino dos métodos de solução consensual de conflitos é coerente com a nova realidade social e jurídica:
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Os cursos universitários de Direito, até o momento presente, preparavam o futuro profissional exclusivamente para um modelo adversarial de processo decisório, típico de um período autoritário já ultrapassado. O ensino dos métodos de solução consensual de conflitos é consentâneo à nova realidade social e jurídica, na medida em que apresenta ao graduando formação compatível com o regime democrático e participativo, alinhado aos mais recentes textos normativos do ordenamento jurídico nacional e comparado – avalia.

Segundo o desembargador, na maioria das vezes, é sentida uma ausência de compromisso social das empresas em relação às controvérsias decorrentes das suas atividades. Aliado a este fator, acrescenta, está a histórica inapetência das agências reguladoras em atribuir às corporações a responsabilidade pela adoção de estruturas com efetiva capacidade de atendimento, tratamento e solução dos desentendimentos com os consumidores.
Cesar Cury diz que esse cenário contribui para a formação da cultura de judicialização, em razão da falta de instâncias resolutivas, tanto na esfera privada quanto na pública. Todo e qualquer conflito é levado aos tribunais, exigindo um incremento no número de profissionais do Direito para atender a essa realidade.

- É um círculo que se retroalimenta desde o final do século passado e que, somente agora, começa a se modificar conclui o desembargador.

Pioneirismo

Com pioneirismo na introdução do método de solução consensual, oficialmente desde 2006, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acumula um longo histórico na promoção de sessões de mediação, evitando a judicialização das demandas e, consequentemente, reduzindo o número de processos. Em 2018, no TJ do Rio foram realizadas mais de dez mil sessões de mediação, grande parte em fase pré-processual. O desembargador Cesar Cury revela que os índices de solução são animadores, e, somente na área de relações familiares, o aproveitamento de acordos tem sido em torno de 90%, “resultando em efetiva instância de solução prévia e na diminuição do número de processos”.

O Tribunal de Justiça do Rio também desempenha importante papel além da efetiva atuação judicial. O tribunal mantém convênio com várias universidades do Rio de Janeiro, que oferecem em sua grade regular a formação em métodos consensuais de solução de conflitos, além de cursos de formação em mediação judicial e de pós-graduação “lato sensu”. Para o desembargador, a mediação representa uma nova etapa da civilização mundial. Em entrevista, ele comenta a importância da mediação, da conciliação e também os próximos passos para a evolução desses métodos no TJ do Rio.

1) A mediação é uma tendência mundial?

Desembargador Cesar Cury - A participação direta e democrática dos interessados na solução dos problemas que estão em suas esferas de direitos resulta da nova etapa civilizatória, alcançando assim o Judiciário com os processos de representação legislativa e administrativa, como se tem visto pela imprensa de todos os países, mesmo aqueles cuja democracia ainda é incipiente.

2) O CPC regula a mediação, como pacificação dos conflitos, devendo ser estimulada por juízes, advogados e defensores públicos. Essa medida do MEC se adequa também ao novo código, correto?

Cury - Sim, essa é uma medida que vai ao encontro da política pública da consensualidade, iniciada pelo CNJ com a edição da Res. 125 de 2010, seguida pelas Leis de Mediação e de Arbitragem e pelo novo Código de Processo Civil.

3) Qual foi a intenção do legislador ao incluir a mediação no CPC?

Cury - O novo CPC/15 contempla um microssistema próprio da consensualidade, formado por diversas categorias jurídicas interligadas que convergem para a negociação sobre o Direito controvertido e sobre o próprio processo, permitindo que o magistrado atue mais na gestão do caso ou do juízo em colaboração às partes e com o suporte de auxiliares, como os mediadores. Antes mesmo do ajuizamento da ação e como forma de preveni-la, as partes e seus advogados podem buscar a solução do conflito ou a preparação do futuro processo em Câmaras Privadas de Mediação e nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs).

4) O leigo tem dificuldade de diferenciar conciliação e mediação. Quais são as semelhanças e diferenças entre conciliação e mediação?

Cury - O CPC/15 prevê uma definição legal. Em comum, de acordo com o art. 166, a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Mas, segundo o § 2º, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio sem que isso implique em qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. O mediador, por seu turno, conforme o § 3º, atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

5) Qual o principal benefício que essa medida trouxe ao tribunal e, principalmente, ao cidadão que procura a justiça para a solução dos conflitos?

Cury - O primeiro, e talvez principal, benefício é a responsabilidade pela construção da solução do conflito que lhe diga respeito. A assunção dessa responsabilidade resulta no reconhecimento de suas possibilidades, o que repercute na melhoria da autoimagem, da autoestima e da autoconfiança. Desse processo resulta uma nova pessoa, mais consciente, autônoma e responsável. Além disso, as soluções tendem a ser mais ajustadas aos reais interesses dos envolvidos, e, portanto, tendem a ser mais efetivas e perenes. Resulta daí a diminuição das intercorrências relacionais, e, consequentemente, a redução da procura pelo processo judicial como alternativa. Com isso, há uma percepção de maior pacificação e a recuperação de um entretecimento das relações sociais. Por outro lado, com a redução dos litígios, os juízes e servidores têm mais tempo para se dedicar com mais qualidade àquelas questões que, por ventura, tenham ultrapassado a esfera da solução consensual, resultando em decisões melhor construídas, mais adequadas à realidade subjacente ao processo e mais efetivas.

6) O TJRJ, por meio do Nupemec e da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj), mantém um curso de formação para mediador. Quem pode ser mediador? É necessária a formação em Direito?

Cury São promovidos regularmente cursos de formação em mediação e cursos livres sobre métodos consensuais. Aquele que tenha completado dois anos de formação em nível superior pode ser mediador judicial, que é o medidor apto a se credenciar nos tribunais e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e atuar em processos judiciais e nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) do TJRJ. Para a atividade de mediador privado, não há exigência de formação específica.

7) A variedade de profissionais que hoje exercem a tarefa de mediador é uma característica benéfica à própria atividade, por lidar com a multiplicidade de situações demandadas?

Cury - O país produz cerca de vinte e oito milhões de processos por ano, e, em princípio, de alguma forma todos são passíveis de solução consensual. É preciso que profissionais cada vez mais capacitados em métodos de negociação estejam disponíveis no mercado e no serviço público, principalmente nos tribunais, para fazer face a essa demanda e mudar essa realidade.

8) Hoje, qual é característica das demandas que exigem mediação e conciliação?

Cury - Praticamente todas as controvérsias podem ser objeto de mediação. Quando a solução plena do conflito não é alcançada, há soluções parciais, mas em todas elas há melhoria significativa dos relacionamentos interpessoais, o que resulta numa melhor condução do processo e em melhor qualidade de vida social.

9) Há projeto para ampliar o instrumento da mediação e da conciliação em demandas que não sejam apenas com característica empresarial?

Cury - Há várias áreas de aplicação da mediação, e, no TJRJ, diversos projetos são exitosos, como a Casa da Família, para as questões relacionadas ao convívio familiar; o núcleo de mediação empresarial; a atuação junto ao segundo grau de jurisdição e a mediação digital. O próximo projeto, em fase de implementação, é o Centro Especializado dos Litígios da Saúde Suplementar, que tem por objetivo tratar dos conflitos desse setor, um dos que mais impacta o tribunal e a sociedade.

10) Existe alguma exceção em que a mediação e a conciliação não atingem a expectativa? O autor da demanda tem prazo para desistir de comparecer à audiência de conciliação?

Cury - O entrave maior ao pleno êxito da mediação ainda é a cultura da sociedade em geral e dos profissionais do Direito, em particular, muito em razão da falta de informação adequada. Mas, à medida que os benefícios da mediação são conhecidos, há uma mudança de percepção e adesão ao novo modelo, e juízes, advogados e demais operadores do Direito passam a utilizar e a incentivar a opção preferencial pelos métodos consensuais. A adesão à mediação é sempre voluntária, mas, no processo comum, a designação pelo juiz é obrigatória, e, desde que não haja manifestação em contrário na inicial e em até dez dias do ato, as partes devem comparecer e participar da sessão.

PC/SF

Fotos: Brunno Dantas e Felipe Cavalcânti 

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