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Resgate de origens
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 18/11/2019 20:21

Ele não é um índio comum. Afinal, não é toda hora que se vê por aí um descendente dos primeiros habitantes do país que faz questão de competir em maratonas vestido de acordo com as tradições de origem. Akazu-y (foto), 72 anos, já perdeu a conta das competições e das medalhas que ganhou – diz que são mais de mil.

- Quando eu vivia na minha aldeia, já praticava luta livre. Sou faixa marrom. No jiu-jitsu, sou faixa roxa. Só que eu tive um acidente, precisei operar e por isso passei a correr. Ouvi muito as pessoas perguntarem ‘índio faz isso?’.

Segundo dos catorze filhos que dona Maria Ambrósio Nascimento concebeu na aldeia Tabajara, na Serra das Matas, no sertão do Ceará, Raimundo Ambrósio do Nascimento – seu nome inicial de registro - vivia graças à caça e à pesca. Aos 20 anos decidiu ganhar o mundo e deixou a aldeia rumo ao Planalto Central para trabalhar na construção civil na capital do país.


Vida na cidade grande

- A cidade estava crescendo e era mais fácil. Sofri em Brasília porque eu entendia pouco o Português, era muito excluído. A saudade da minha família apertava, viver longe é estranho – recorda.

A próxima parada foi o Rio de Janeiro, onde ajudou a construir a atual sede da Petrobras – edifício conhecido como ‘Selva de Pedra’. Foi nessa época que conseguiu, depois de seis tentativas, passar na prova para ser cobrador de ônibus na extinta Companhia de Transportes Coletivos, a CTC.

 

“Minha mãe me registrou como Raimundo porque não podíamos falar nossa língua. Por toda a vida tive vontade que meu nome fosse Cajueiro, que em tupi-Guarani é Akazu-y.”


Direito de mudar

Depois de 16 anos na função, concluiu que era preciso voltar às origens e passou a viver da arte do seu povo. Para o retorno ser completo decidiu adotar um nome representativo de onde veio e, com isso, alterar todos os documentos.

- Eu queria mudar porque os índios homens têm nomes de árvore ou animal selvagem. E por toda a vida tive vontade que meu nome fosse Cajueiro, que em Tupi-Guarani é Akazu-y. Vi na Constituição que temos o direito de mudar o nome. Pensei: ‘vou correr atrás’. Minha mãe me registrou como Raimundo porque não podíamos falar nossa língua e, na época, tinha que ser nome de santo, nome em português.

Foi aí que Raimundo decidiu procurar o ônibus do Programa Justiça Itinerante, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) - que conta com o apoio da equipe do Serviço de Promoção à Erradicação do Sub-registro e a Busca de Certidões (SEPEC) - na vizinhança do Sambódromo, na Praça Onze, Centro do Rio. Detalhe: como faz desde que reassumiu a origem indígena no dia a dia, ele foi vestido a caráter – cocar de penas na cabeça, saiote, corpo coberto por pinturas e colares.

- Quando entrei naquele ônibus, os magistrados me receberam com minha companheira. Eles disseram que tinham muito gosto em ver a minha felicidade. E falaram: ‘nós vamos iniciar o nosso trabalho hoje com esse casal tão lindo que vem entrando aqui’. Vieram ao nosso encontro, tirando foto, aquela alegria. Hoje sou um brasileiro completo graças à Justiça Itinerante.

Embora com 72 anos, Akazu-y diz que ainda vai longe na carreira de maratonista. Presença garantida em toda São Silvestre há mais de vinte anos, ele dá a receita:

- A coisa que mais eu preservo no meu dia a dia é a minha a vida, minha saúde. Não sou materialista.

 

Inspiração

A atitude Akazu-y já inspirou outros indígenas. Rubelize Marques da Silva, de 55 anos, tinha apenas 13 anos quando deixou a pequena Almeirim, no interior do Pará. Só reencontrou a família quatro décadas depois. Moradora de Guapimirim, na Baixada Fluminense, ela vende artesanato indígena às margens da BR-040. E sonha juntar dinheiro para trazer a irmã gêmea, que vive a mais de 3000 km de distância, em Altamira (PA), ao Rio. Até lá, Rubelize espera já estar com o processo de mudança de nome em andamento.

- Quero me chamar Kaoly, que significa ‘bela jovem’. Minha mãe teve de rejeitar a sua cultura porque ela sempre dizia que os índios eram muito humilhados e explorados. Mas a gente foi descobrindo.

 

 

Fotos: Brunno Dantas/ TJRJ

SV/FS