Autofit Section
Passos firmes em busca dos sonhos
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 22/11/2019 10:35

Não é de hoje que o Hip-hop tem sido usado como um instrumento de resistência na luta pelos direitos da população. Para Luana Luara Alves da Silva (foto), de 24 anos, o gênero musical de origem negra que surgiu nas grandes cidades como cultura oriunda das classes menos favorecidas e recebeu influência de outras culturas, não foi diferente.

- A dança me salvou, foi terapia para muita coisa na minha vida - afirma.

Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, a dançarina só descobriu depois de adulta que a mulher que acreditou, por toda a vida, ser sua mãe, era, na verdade, a própria avó. A revelação veio depois de muitos questionamentos sobre a ausência de documentos comuns a qualquer brasileiro, como certidão de nascimento ou carteira de identidade.

Na infância e na adolescência, a única referência oficial que tinha em mãos era a caderneta de vacinação – que a avó fazia questão de deixar em dia. Não foram poucas as dificuldades enfrentadas por conta da ausência de documentos.

- Tinha mãe que não deixava os filhos terem amizade comigo pelo fato de eu não ter documentos. Eu não frequentava escolas regulares. Tinha aulas com explicadoras, que me indicavam livros e eu estudava em casa. Assim aprendi a ler e a escrever. Mas sempre fui uma criança que queria evoluir, buscar as coisas.

 

"A minha certidão vale mais do que dinheiro. Dinheiro é consequência de muito trabalho e, a partir de agora, não tenho mais impedimento para buscar isso"

Luana  Alves

O caminho da dança

A descoberta do Hip-hop aconteceu aos 11 anos. O filho do marido da avó – que ela faz questão de chamar de padrasto – era ‘b-boy’, como são chamados os dançarinos de breaking. E não demorou para que o talento de Luana se destacasse na modalidade. Mas as propostas de apresentação longe de casa sempre esbarravam no mesmo problema: a falta de documentos.

- As pessoas queriam me ajudar, como levar para programas de televisão, mas eu não tinha documento. Eu queria fazer um curso, trabalhar, estudar, viajar, conhecer lugares, mas sem documento não podia.

Foi quando, durante uma apresentação nas ruas do Rio, uma mulher se interessou pelo trabalho e descobriu que a talentosa dançarina sequer tinha registro de nascimento.

- Ela entrou em contato com o responsável pela companhia de teatro da qual eu fazia parte. Foi a primeira vez que ouvi falar de registro tardio.

 

‘Passaporte’ para o mundo

E graças ao ônibus do Programa Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), Luana finalmente conseguiu ter a tão sonhada certidão de nascimento. A dançarina foi levada até a unidade móvel especializada em sub-registro da Praça Onze pela ‘madrinha’ inesperada. Recebeu atenção da juíza Cláudia Maria de Oliveira, da 3ª Vara Cível de São João de Meriti, que lhe entregou o documento no mesmo dia.

- A certidão que ela me proporcionou vale mais do que dinheiro. Dinheiro é consequência de muito trabalho e a partir de agora não será mais motivo de impedimento.

Luana quer desenvolver todos os potenciais adormecidos durante todo o tempo que ficou privada do exercício pleno da cidadania pela falta de documentos.

- Estou praticando espanhol, inglês e aprendendo francês. Tudo para, agora com documentos, poder visitar outros países. Quero levar minha energia, minha dança, minha história de vida para todo mundo ver.

O objetivo é divulgar o Hip-hop o máximo possível para que outras pessoas, com trajetórias de vida semelhantes à dela, tenham a mesma oportunidade.

- A dança me moldou, fez uma moldura por completo da minha pessoa, com responsabilidade, e me mostrou um caminho que nos diz: há salvação para tudo. Ela te faz ter motivo para poder viver, te motiva, mexe com o que você tem dentro.

 

Trabalho que faz a diferença

Histórias como as de Luana estimulam a magistrada no exercício da sua função dentro do Judiciário. Segundo a juíza, proporcionar o registro de nascimento ao cidadão é garantir o exercício dos seus direitos através da documentação.

- Depois de 22 anos de magistratura esse atendimento de sub-registro do Justiça Itinerante é o trabalho mais importante que fiz na minha carreira. É a situação mais grave que a gente resolve na Justiça. As pessoas que não têm registro de nascimento oficialmente “não existem” aos olhos da lei, e quem não existe não é sujeito de direito. Sem a certidão, Luana não podia pegar um ônibus para participar de competições de Hip-hop. A sensação de saber que o meu trabalho fez a diferença na vida dela não tem preço.

 

SV/ FS

 Fotos: Brunno Dantas/ TJRJ