Carta Magna em debate: magistrados avaliam 30 anos da Constituição Federal
Personalidades do mundo jurídico analisaram nesta segunda, dia 28, os 30 anos da Constituição Federal: seus desdobramentos, conquistas e o que precisa avançar. O evento realizado pelo jornal O Globo, e oferecido pelo portal Consultor Jurídico e a empresa Refit, foi realizado no hotel Copacabana Palace.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), desembargador Milton Fernandes de Souza, abordou a relação da Constituição Federal com os tribunais de justiça. Para o magistrado, os juízes devem estar atentos às consequências de suas decisões, uma vez que o texto da Carta Magna criou os chamados conceitos jurídicos indefinidos, isto é, sem um limite específico. “Cada estado tem sua peculiaridade. No caso do Rio, por exemplo, atravessamos uma intervenção e um processo de recuperação fiscal. Dessa forma, o juiz precisa medir os reflexos de suas decisões, pois podem causar uma série de divergências, inclusive nas instâncias superiores”.
Perguntado pelos jornalistas por que a incidência de processos criminais no Rio é maior que a média nacional, Milton Fernandes disse que houve adequação do Judiciário fluminense, de longo tempo, à realidade da segurança pública no estado. “Temos uma preocupação especial com criminosos de alta periculosidade. O Tribunal possui uma Central de Assessoramento Criminal para dar todo suporte aos juízes e servidores, além da criação das centrais de custódia, instaladas dentro dos complexos prisionais, que tiveram amplo apoio do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos advogados”, explicou. Com a audiência de custódia, todo preso em flagrante deve ser apresentado a um juiz em até 24 horas.
Ao final dos debates, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), elogiou a matéria publicada em O Globo nesse domingo, dia 27, de autoria dos repórteres Elenilce Bottari, Vera Araújo, Patrick Camporez e Renata Mariz sobre o poder de atuação dos chefes de facção criminosa no Rio de Janeiro. O presidente do TJ destacou o papel da imprensa livre e a sua importância na exposição pública das atividades e relações exercidas por criminosos. São atitudes que fogem aos padrões da ética moral, profissional e social, e ainda existentes mesmo depois desses criminosos terem sido condenados pela Justiça e recolhidos a presídios fora do estado.
“Quando lemos uma reportagem dessa natureza, alicerçada com sólido material de pesquisa e investigação, temos o dever, como leitor e representante do Poder Judiciário, de parabenizar seus autores pela coragem de expor mazelas que persistem em nossa sociedade. O Globo, mais uma vez, exerceu o seu papel de veículo comprometido com a ética dos princípios básicos que devem reger uma sociedade livre. Parabéns a todos, ao jornal, repórteres e editores”.
O corregedor-geral da Justiça, desembargador Claudio de Mello Tavares, trouxe dados sobre a produtividade dos magistrados e servidores, afirmando que o Judiciário fluminense é um dos mais produtivos do país. Ele explicou que tem procurado adotar a política da conciliação, ouvindo juízes e advogados diretamente nas comarcas e procurando atender as demandas. “Com isso, conseguimos uma redução de 100 mil processos em nosso acervo em pouco mais de um ano”, complementou.
Ministros debatem impacto da Constituição nos campos eleitoral e normativo
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux avaliou o panorama eleitoral atual, do ponto de vista jurídico, e as implicações constitucionais. Para o magistrado, qualquer impasse relacionado à possível inelegibilidade de um candidato deve passar pelo que chamou de “tecido normativo da Constituição”. Ao mesmo tempo, o TSE deve atuar não apenas como um tribunal julgador, mas provocador das garantias fundamentais do ponto de vista eleitoral. Fux citou como exemplo a aprovação, por unanimidade, da resolução que fixa os procedimentos de gestão e distribuição do Fundo Eleitoral. Um dos itens da norma prevê aplicação mínima de 30% do total recebido para o custeio das campanhas femininas e da possibilidade de transgêneros se candidatarem utilizando o nome que desejarem.
Outro destaque apontado pelo ministro foi o trabalho da Justiça Eleitoral contra as fake news. “Informação pública só é livre se é livre a informação. A rigidez da democracia depende da informação, ao passo que a pós-verdade, que nada mais é do que a mentira, não pode se igualar à informação correta, baseada nos fatos”, disse.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, analisou o comportamento da mídia e a cobertura dos julgamentos sob o enfoque constitucional. Segundo ele, é preciso buscar o equilíbrio entre reportar os fatos, esclarecer a sociedade e respeitar princípios como a dignidade da pessoa humana. O ministro levantou questões contemporâneas que precisam ser analisadas pelos operadores do Direito, como a influência dos algoritmos nas mídias digitais e nas relações sociais. Favorável à transmissão de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, como faz a TV Justiça, Salomão rechaçou a ideia de que um ministro, com todo saber jurídico, se deixa levar pela audiência ou pela midiatização do rito jurídico.
O ministro Antonio Saldanha Palheiro (STJ) abordou o ativismo judicial e as novas tecnologias. Demonstrando preocupação, explicou que a ausência de legitimidade democrática pela via do voto, o desvio da função do magistrado e o exercício do ativismo como fruto do senso pessoal podem prejudicar a atividade judiciária e a aplicação do direito.
O ministro Benedito Gonçalves (STJ) discorreu sobre a implementação forçada das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Para ele, é a Justiça quem exerce controle jurisdicional e administrativo das políticas públicas, sobretudo na esfera federal. “Uma política pública sem legislação aplicada é uma política vazia, sem sentido”.
O fórum O Globo 30 anos da Constituição Federal teve mediação dos jornalistas Ascânio Seleme, colunista do Jornal o Globo, e de Diego Ecosteguy, editor-executivo da Infoglobo. Desembargadores e juízes do TJRJ estiveram no evento.
FB/SF
Fotos: Brunno Dantas/TJRJ