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Dia Laranja alerta para urgência de eliminar violência contra mulheres
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 24/11/2018 08:00

Após oito anos de união estável, Luciana* terminou seu relacionamento em função das constantes brigas decorrentes do comportamento agressivo e ofensivo de seu companheiro. Buscando reatar a união, ele a procurou algumas vezes até que, em uma das tentativas, deu um tapa em seu rosto e, em tom ameaçador, disse que “ia desgraçar sua vida e fazê-la desaparecer com a facilidade com que estalava seus dedos”. Dias depois, a seguiu até sua casa, onde iniciou uma série de agressões verbais e físicas. Luciana perdeu dez dentes, fraturou um dedo e o pulso, tendo de se afastar do trabalho. Sem contar com as graves sequelas psicológicas sofridas.

A história retrata um dos muitos casos reais de violência doméstica. Neste, o agressor foi condenado e o desfecho evitou o pior. Infelizmente, não foi a realidade de 63 mulheres retratadas nos novos casos de feminicídio registrados de janeiro a setembro deste ano no Tribunal de Justiça do Rio. Em 2017, este número chegou a 89, segundo dados do Observatório Judicial da Violência contra a Mulher, do Poder Judiciário fluminense.

No estado do Rio, em 2018, foram registradas, até setembro, 19 tentativas de feminicídio, além de outras 27 no ano passado. Celebrado no dia 25 de cada mês, o Dia Laranja – Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres - busca alertar para a urgente necessidade de prevenir e eliminar a violência contra mulheres e meninas. A cor, vibrante e positiva, representa um futuro livre de violência para o segmento feminino da população.

Como mais um instrumento desta luta, o TJRJ promoveu, em agosto, a assinatura do Protocolo Violeta/Laranja – Feminicídio, com o objetivo de acelerar o acesso à Justiça às mulheres sobreviventes, como Luciana, e eventuais familiares em situação de extrema vulnerabilidade e em risco de morte ou de lesão à sua integridade física.

Assim, como um termo de autuação e colaboração entre os quatro tribunais do Júri da Capital, o 1º Juizado de Violência Doméstica e o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência de Gênero da Defensoria Pública do Estado (Nudem), o protocolo garante à mulher vítima de violência doméstica a aplicação da Lei Maria da Penha também nos casos de competência do tribunal do júri, com atendimento humanizado e livre acesso à Justiça, assegurando que as medidas protetivas sejam deferidas e executadas em um curto espaço de tempo. A iniciativa também é importante para o aperfeiçoamento das estatísticas, contabilizando os casos de feminicídio consumados e tentados.

Na avaliação do pedido de medida protetiva, são observados os indicadores de risco, entre eles se a mulher sofreu violência anterior; se o agressor já respondeu a processo criminal, em especial outro de violência doméstica; se os filhos presenciaram a violência e se há a presença de alcoolismo e outras drogas.

Presidente do Grupo de Trabalho para elaboração de protocolo para investigação e colheita de provas nos casos de Feminicídio (GT-Feminicídio) do TJRJ, criado em 2016, a juíza Katerine Nygaard defende que a violência contra a mulher não pode mais ser tolerada, pelo contrário, deve ser denunciada e combatida. “O fim da violência de gênero depende sobretudo da conscientização de que essa violência é uma manifestação de discriminação, cuja causa principal são as relações assimétricas de poder entre homens e mulheres”, afirmou.

O que é feminicídio?

Feminicídio é o assassinato de uma mulher pelo simples fato de ser mulher, ou seja, por questões de gênero. Entre os motivos mais comuns estão o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda e controle da propriedade sobre as mulheres.

Sancionada em 2015, a Lei 13.104 alterou o Código de Processo Penal e prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, o assassinato de mulher quando envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição feminina passou a ser incluído entre os tipos de homicídio qualificado, cuja pena prevista é de 12 a 30 anos de reclusão. No homicídio simples, a pena varia entre 6 e 20 anos. Com isso, além de poder ser aplicada uma pena maior, é possível mapear e contabilizar os casos de feminicídio, o que possibilita a criação de políticas públicas para prevenir e evitar a violência contra a mulher.

Atenção aos sinais

Muitas vezes, nem a própria mulher percebe que está sendo vítima de um relacionamento abusivo. Segundo a juíza, geralmente, no início, os atos de violência de gênero não são claros, pois são atenuados ou camuflados em razão do envolvimento afetivo.

“A violência doméstica começa com pequenas sutilezas, agressões verbais, ridicularização, diminuição e destruição da autoestima da mulher. Daí é um passo para a ameaça e violência física”, alertou.

Ainda de acordo com a magistrada, uma das formas utilizadas pelo agressor para desencorajar a mulher a denunciar é pedir perdão e prometer que a violência não voltará a ocorrer. Porém, o período de paz dura pouco e o ciclo violento continua. “A mulher tem que estar atenta a esses sinais. Se o homem a trata como se fosse sua propriedade, impondo sua vontade com agressões verbais e físicas, e ela aceita e não denuncia, o relacionamento pode acabar de forma trágica. Lamentavelmente, muitas mulheres sofrem e até morrem em silêncio. Medo vergonha, dependência financeira e emocional são alguns motivos que as mantêm caladas”, disse.

Como sair dessa?

Para quebrar o ciclo de violência, a mulher deve procurar ajuda e registrar a ocorrência, preferencialmente, nas delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam).

Ao realizar o registro, a vítima deve contar o ocorrido detalhadamente, levar testemunhas ou indicar seus endereços, se houver, além de qualquer prova, como fotografias e mensagens de celular. Nos casos de estar com sua vida ou de seus familiares em risco, a vítima pode ser abrigada em local sigiloso, onde ficará protegida do seu agressor.

A mulher pode pedir em juízo as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, como o afastamento do agressor do lar, a proibição de aproximação que o obriga a manter certa distância e a proibição de contato por qualquer meio de comunicação, de modo a garantir sua integridade física e/ou psíquica.

“O meu recado é: não se cale, denuncie e quebre o ciclo de violência!”, finalizou a juíza.

*O nome foi trocado para preservar a identidade da vítima

SP/MG