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Replantando Vida: parceria entre VEP e Cedae dá oportunidades de trabalho para apenados
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 17/06/2019 12:41

Eduardo Vitorino queria uma oportunidade. Após cumprir seis anos e oito meses de regime fechado e oito meses no semiaberto, ele encontra uma nova forma de viver. Das celas cinzentas e grades de ferro, seu dia a dia agora é estar em contato com o frescor da natureza, a responsabilidade da jardinagem e a conscientização recém-adquirida de cuidar do meio ambiente.

- Eu acredito na ressocialização e aqui sou prova viva disso - afirma convicto.

'Overlock, Polarek e Interlock'. Alexandra da Silva hoje pronuncia com clareza os nomes das máquinas de costura industriais que sabe operar. Antes, não conseguia passar uma linha em uma agulha e mal fazia uma faxina. Em liberdade condicional há três anos, a mãe de três filhos alinha os planos e costura sonhos.

- Meu sonho é trabalhar numa fábrica depois de tudo que aprendi aqui - emociona-se.

O 'aqui' dito por Eduardo e Alexandra é a Estação de Tratamento do Guandu, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Os dois e mais 429 apenados fazem parte do Projeto Replantando Vida, uma parceria da Cedae com a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio. Há 18 anos, quem integra o sistema prisional pode ter uma oportunidade de trabalhar em diversas áreas da companhia de águas: operação/manutenção de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, setores administrativos, conservação de prédios, produção de uniformes e recuperação ambiental dos mananciais hídricos.

Eduardo trabalha na jardinagem: aulas de educação ambiental

 

A iniciativa já beneficiou mais de 4 mil presos e deve ser ampliada neste ano, contemplando 700 apenados. Cada integrante do projeto ganha um salário mínimo (piso nacional) por mês e reduz a pena em um dia para cada três trabalhados.

Semear um projeto como esse, no início, não foi fácil. O estigma que o condenado carrega chegou aos corredores da Cedae quando a ideia foi lançada.

- Havia muito preconceito. As pessoas imaginavam que haveria estupro, assalto, homicídio, tráfico de drogas. Claro, nada disso aconteceu - conta Alcione Duarte, idealizador e coordenador do projeto.

Alexandra já trabalha com três tipos diferentes de máquinas de costura

 

E Alcione tem razão. Os números mostram que 'replantar vidas' é mudar a realidade de cada um e do lugar em que vive. Por ano, só o setor de jardinagem produz 1,8 milhão de mudas, que são distribuídas para diferentes órgãos públicos - o Fórum Central é margeado por árvores entregues pelo projeto.

E todos ganham com o projeto, inclusive o próprio ecossistema fluminense. Boa parte das mudas são plantadas às margens do Rio Guandu, contribuindo para a revegetação e qualidade da água do principal rio do sistema de abastecimento do estado. As mudas produzidas já foram exportadas para São Paulo e Minas Gerais. E também contribuíram para o reflorestamento do entorno do presídio Romeiro Neto, em Magé, onde é alta a diversidade da Mata Atlântica. Ali são cultivadas atualmente mais de 150 espécies nativas.

O juiz titular da VEP, Rafael Estrela, acredita que a parceria com a Cedae é uma das principais formas de ressocialização dos apenados no Rio. O mesmo estado que prende e julga também deve criar oportunidades.

- O juiz da execução penal vive de esperança. O preso já foi condenado, a sentença penal já está transitada em julgado com relação ao fato praticado. Mas é uma vida, um ser humano, e a gente precisa efetivar o cumprimento da pena dele. Temos que investir para que a pessoa retorne ao convívio social, sem voltar a delinquir.

A transição da vida de quem está na prisão para a oportunidade de trabalho não é simples. Mas o primeiro passo é não ignorar o passado, aproveitar a chance dada no presente para reescrever o futuro.

- A cultura que ele (apenado) traz das unidades prisionais é diferente do que a gente tem aqui fora na sociedade. O que facilita essa transição é a forma como nós os recebemos hoje, como iguais. Cada um que chega aqui não tem um X na testa que aponte você é bandido, você não presta, você cometeu um crime. O nosso sentimento é o seguinte: tudo é um processo na vida, a hora de recomeçar é agora. Você quer escrever uma nova história na sua vida? Conta com a gente - explica Alcione.

Juízes e funcionários da VEP com integrantes da CEDAE: parceria

 

Uma sociedade melhor, mais inclusiva, é a que oportuniza, nas palavras de Eduardo.

- A liberdade em si é muito boa, não tem nada comparado com ela.

Para quem já passou pelo projeto, histórias positivas e novos desafios

Das mudas de palmeira fênix, murta e areca, Anderson Adriano da Silva transformou a oportunidade em realidade. Depois de passar quatro anos e quatro meses no Replantando Vida, as plantas se tornaram grandes amigas e fonte de renda. Há pouco mais de um ano, ele conseguiu abrir o próprio horto em Senador Vasconcelos, Zona Oeste do Rio. Dos muros cinzentos que protegem a casa, o verde aviva o ambiente que ele divide com a família.

- Da planta você tem amor, tem paixão. O ser humano que não gosta de plantas não tem prazer na vida - conta com orgulho de quem diz já ter plantado mais de 50 mil mudas.

- É um trabalho de formiguinha. Hoje é tudo para mim.

Foram 11 anos passando por diferentes presídios do complexo de Bangu, até surgir a parceria da Cedae com a VEP. E assim é sua vida: replantada.

- Esse projeto é muito importante porque realmente resgata as pessoas. Na cadeia sua vida é ociosa, você não tem perspectiva. Quem está nessa condição não tem oportunidade nenhuma. Como não abraçar uma nova chance? - indaga.

 

Ressocialização e novo emprego: do projeto Replantando Vida, Anderson abriu o próprio negócio

 

Mas os benefícios do Replantando Vida não se restringem ao campo financeiro. Para quem esteve tão perto da morte e cometeu crimes, gestos simples provocam mudanças profundas. A irmãs Márcia e Jaqueline Ferreira se associaram criminosamente e foram condenadas. Cumpriram pena, mas a vida ganhou novo destino no salão de costura Zuzu Angel - que faz parte do projeto - ou nos corredores dos prédios da Cedae.

Três anos depois de cumprir pena, Márcia voltou à Estação do Guandu para rever as amigas que ainda estão no projeto. Entre abraços e momentos de alegria, ela relembra as boas histórias, como as apostas que fazia com as colegas para saber quem preparava os coletes da Cedae mais rápido.

- Nunca venci. Sempre ficava em segundo ou terceiro lugar. Isso foi bom porque aprendi a dar valor às coisas. O Replantando Vida me deu um choque de realidade. Antes da prisão, tinha dinheiro fácil, mas uma vida cheia de riscos. Aqui aprendi que o salário é para meu sustento.

Márcia é racional, Jaqueline é pura emoção. Se a irmã mais velha (tem 43) aprendeu a saber gastar com o que ganha, a caçula (36) – e já avó de uma menina de seis anos – pôde trabalhar pela primeira vez como auxiliar de escritório.

- Quando chegaram no presídio oferecendo emprego eu não acreditei. Estava com uniforme de presa, mão para trás e cabeça baixa. Me perguntaram: você quer trabalhar? Eu respondi: se o juiz me der essa oportunidade eu quero - emociona-se Jaqueline.

O juiz concedeu.

- Eu deixei de andar de cabeça baixa e aprendi a dar bom dia, boa tarde, olhar nos olhos das pessoas. A educação que eu tive aqui pude passar para minha filha, que hoje passa para minha neta, diz a moradora de Nova Iguaçu, vaidosa com suas tatuagens pelo corpo e que sempre se emociona quando lembra os tempos que participou do projeto.

- Foi por aqui que eu voltei para a sociedade.

Do recomeço de Márcia e Jaqueline às realizações de Anderson, passando pelos sonhos de Alexandra e Eduardo, a parceria entre o Tribunal de Justiça e a Cedae estabelece a franqueza como ferramenta de sociabilidade. Não são apenas apenados que chegam à Estação de Tratamento de Guandu, mas pessoas que querem reescrever suas histórias, replantar a própria vida.


FB/MG/FS

Fotos: Brunno Dantas/TJRJ | Inforgáfico: DGCOM/SEIVI