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Um ônibus na rota da esperança
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 27/11/2019 20:22

Bailarino, coreógrafo e dançarino de rua, Luiz Cláudio Souza, mais conhecido como Kurupira, viajou dez países com sua companhia de dança, formada por 14 bailarinos. Morou na Argentina, onde noivou e, após ficar desempregado, resolveu voltar para sua terra natal, o Rio de Janeiro. Mesmo com o currículo repleto de apresentações internacionais e em programas de grandes emissoras de TV brasileiras, ele teve o destino que nunca pensou e que, infelizmente, é a realidade de muitos brasileiros: morar nas ruas.

- Voltei com a mentalidade de um refugiado, um estrangeiro, mesmo sendo brasileiro. Sofri na pele o que o estrangeiro sofre. Foi muito difícil eu me readaptar, a parte cultural, de trabalho, social - disse ele, após ser atendido ônibus do Programa Justiça Itinerante, numa manhã de domingo, em maio passado, na Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio de Janeiro.

Luiz Cláudio, que recebe cerca de R$ 150 por mês de bolsas de programas sociais, procurou o atendimento do Judiciário “para colocar a vida de cidadão em dia”.

- Hoje foi a primeira vez que vim aqui. Eu nunca tinha visto um projeto social jurídico – disse, sem esconder a esperança por tempos melhores.

Kurupira teve a Rua Teófilo Otoni, no Centro, como morada. Chegou, tempos antes, a trabalhar de carteira assinada em uma rede de fast food, mas, após uma mudança na gerência da lanchonete, voltou a ficar sem trabalho. Nada, porém, capaz de fazê-lo desistir.

- Não é porque a minha vida começou a ficar em uma situação caótica que eu vou ser mal, ruim, ou mudar minha conduta para ser um cara malicioso e dissimulado.

"Hoje foi a primeira vez que vim aqui. Eu nunca tinha visto um projeto social jurídico."

Luiz Cláudio Souza (Kurupira)

 

 

Deixando de ser ‘um homem sem documentos’

Na mesma fila de atendimento esgueirava-se o catador de latas Luiz Francisco da Silva, de 63 anos. Também morador de rua como Kurupira, ‘Seu’ Luiz revelou que teve casa na Zona Oeste, trabalhou na construção civil, uma vida normal. Tudo mudou quando descobriu uma traição familiar e decidiu largar tudo para trás. Acabou nas ruas, perdeu tudo, inclusive os documentos que decidiu buscar, naquele domingo de outono, no ônibus do Justiça Itinerante.

- Agora, poderei tirar minha carteira de identidade, carteira profissional e dar entrada na minha aposentadoria – comemorava.

 

                                                          O catador de latas Luiz Francisco da Silva

 

Emocionado por também deixar de ser um homem sem documentos, como se intitulava, Orlando Gomes, de 71 anos, se unia, na alegria, a Kurupira e Luiz. Desde 2011 vagava pelas esquinas sem qualquer tipo de identificação oficial, mas resolveu seu problema ali, naquele ônibus simples.

- Fiquei este tempo todo sem documento nenhum. Viver na rua não é brincadeira. Fui bem atendido aqui – contou, às lágrimas.


                                                             O "homem sem documentos" Orlando Gomes

Demanda social

Atuando no ônibus informatizado da Justiça desde 2015, a juíza Viviane Ramos de Faria enxerga, através do Justiça Itinerante, o que para muitos é invisível.

- É um projeto em que saímos do gabinete para ver a sociedade, ver as pessoas que muitas vezes não têm acesso ao mínimo. Essa demanda social é muito importante. Quanto mais divulgado o serviço é, mais pessoas querem ser atendidas - disse a juíza que, na sua rotina, trabalha na área criminal e vê ligação entre os dois universos em que atua.

O atendimento realizado na Praça da Cruz Vermelha é uma parceria do Tribunal de Justiça do Rio com o Colégio Cruzeiro, localizado na região. Nos arredores do ônibus nos dias de atendimento, há ainda distribuição de lanches, atendimento médico, odontológico, serviços de corte de cabelo, além da apresentação do coral Uma Só Voz, formado por moradores de rua, buscando uma ressocialização por meio da música.

- É uma oportunidade única, queria agradecer a parceria com a Justiça. É uma oportunidade de vermos as diferenças sociais que existem e tentar, de alguma maneira, dar um encaminhamento para que a gente consiga chegar a um ponto melhor no futuro - acredita a coordenadora de ação social da SBH Mantenedora/Colégio Cruzeiro, Luciane Hentschke.

 

SP/FS

Fotos: Felipe Cavalcante