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Presidente do TJRJ decide: crianças de 0 a 4 anos também podem ir ao Rock in Rio, desde que com os pais ou responsáveis
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 04/10/2019 00:32

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Claudio de Mello Tavares, autorizou, na noite desta quinta-feira (3/10), a entrada e permanência de crianças de 0 a 4 anos, desde que acompanhadas dos pais ou responsáveis, no Rock in Rio. A decisão vigora até o trânsito em julgado da decisão do mérito na ação principal e foi tomada depois que a empresa Rock World S.A., organizadora do evento, recorreu da decisão monocrática proferida pelo desembargador Carlos Azeredo de Araújo, da 9ª Câmara Cível, que manteve a proibição de acesso de crianças nessa faixa etária conforme a decisão de primeira instância.

O desembargador levou em consideração, entre outros argumentos, o fato de não ter havido essa restrição em anos anteriores e a vinda de inúmeras famílias de outros municípios e estados para o evento com crianças pequenas.

"É cabível a medida excepcional, tendo em vista a notoriedade do evento e os interesses envolvidos, inclusive a segurança das famílias (pais e filhos menores de idade aguardando um desfecho dessa situação)," diz um trecho da decisão, que instrui adiante: "Resta prejudicado o pedido de anulação de eventuais multas que venham a ser lavradas por conta de menores que possam ter ingressado no evento, haja vista que prevalecem os efeitos da presente decisão."

 

Íntegra da decisão do presidente do TJRJ, desembargador Claudio de Mello Tavares:

Suspensão nº 0064057-61.2019.8.19.0000

 

DECISÃO

                     Trata-se de suspensão de segurança, ajuizada por ROCK WORLD S.A, organizadora do evento Rock in Rio - 2019, em face da r. decisão liminar monocrática proferida nos autos do processo nº 0062644-13.2019.8.19.0000, pelo I. Desembargador Relator CARLOS AZEREDO DE ARAÚJO, da C. 9ª (nona) Câmara Cível deste E. TJ/RJ, que manteve a proibição de acesso de menores de 0 (zero) a 04 (quatro) anos de idade, ainda que acompanhados dos pais ou responsáveis no referido evento.


                     Narra que o evento nunca teve a restrição à faixa etária acima apontada, que é dever dos pais ou responsáveis legais definir o acesso dos menores a shows, não cabendo à autoridade judiciária essa atribuição, de acordo com a exegese que defende para o artigo 149, inciso I, do ECA.


                     Prossegue afirmando que o Ministério Público, tanto na primeira como na segunda instância, opinou favoravelmente ao pleito, e que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça corrobora a sua pretensão.


                     Acosta precedentes do C. STJ nesse sentido e, ainda, decisões deste C. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que garantiram o direito aqui vindicado, em edições pretéritas do “Rock in Rio”.


                     Aduz a necessidade da suspensão pretendida em razão de pessoas que não tiveram acesso ao evento, inclusive vindas de outros Municípios e Estados, havendo neste momento mais de vinte famílias proibidas de ingressar na cidade do rock, no portão de entrada, daí a irresignação de muitos que pode vir a culminar em tumulto na “Cidade do Rock”.


                     Por fim, destaca que, se deixar as pessoas acessarem o evento em desacordo com o alvará, estará sujeita à aplicação de multas.

Requer a suspensão dos efeitos da decisão liminar concedida.

 

É O RELATÓRIO. DECIDO.

A possibilidade de intervenção que a Lei nº 8.437/92 outorga à Presidência dos Tribunais, por meio da suspensão de liminares deferidas contra atos do Poder Público, tem caráter excepcional, somente se justificando nas hipóteses nela explicitadas, ou seja, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas e nos casos de manifesto interesse público ou ilegitimidade, consoante a dicção do seu artigo 4º.

 

O saudoso professor Teori Albino Zavascki leciona a este respeito que[1]:

 

“São dois, portanto, os requisitos a serem atendidos cumulativamente: primeiro, manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade; segundo, grave lesão. A falta de um deles inviabiliza a suspensão pelo Presidente do Tribunal, sem prejuízo, evidentemente, do efeito suspensivo ao recurso, que poderá, se for o caso, ser deferido pelo relator”.

 

Os pressupostos legais estão normativamente formulados por cláusulas abertas, conceitos indeterminados como o são ‘grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, à economia públicas e manifesto interesse público’. É neste sentido que se diz que é ‘política’ a decisão, mas deve-se colocar a máxima atenção ao pressuposto comum já consagrado pelo STF, o fumus boni iuris[1].

 

Na hipótese em tela, estamos diante de decisão monocrática liminar proferida por Desembargador, contra a qual é cabível o recurso de agravo interno, (art. 1.021, CPC/15 e no art. 200 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do  Estado do Rio de Janeiro 2 ), a ser conhecido e julgado no próprio  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro,  de sorte que compete  à  sua Presidência  o  julgamento  do  presente  pedido  de  suspensão  liminar.

 

Não há nos autos decisão proferida em última instância neste Tribunal, razão pela qual, não exaurida a instância ordinária, há de prevalecer a tese adotada pela eg. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (SL 63/RS, SLS 150/MG, SLS 172/GO, dentre outros), no sentido de que compete ao Presidente do próprio Tribunal de origem suspender os efeitos da decisão impugnada por agravo interposto, o qual não teve o seu mérito julgado.

 

No julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 10/PE, ocorrido em 04.03.2004, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu pela competência do Tribunal de origem:

 

"AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. LIMINAR CONCEDIDA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. PRESSUPOSTOS. DECISÃO DE ÚLTIMA OU ÚNICA INSTÂNCIA. REGIMENTO INTERNO. FORÇA DE LEI. RECEPÇÃO PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 1. Suspensão da execução de liminar. Lei 8038/90, artigo 25, e RISTF, artigo 297. Legislação especial que, de modo explícito, não inseriu na competência do Presidente do Supremo Tribunal Federal o poder de suspender a execução de liminares concedidas por Tribunal Superior. 2. Para o deferimento do pedido indispensável que se trate de decisão proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Ademais, necessária que a causa tenha por fundamento matéria constitucional e que haja a demonstração inequívoca de que a execução imediata do provimento liminar causará grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia. Precedente. 3. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Inaplicabilidade. Alegação improcedente. As disposições do Regimento Interno da Corte foram recebidas pela Constituição, que não repudia atos normativos anteriores à sua promulgação, se com ela compatíveis. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg na STA 10/PE, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 04.03.2004, DJ 02.04.2004). (grifo nosso)

 

Uma vez reconhecida a competência desta Presidência para apreciação deste pedido de suspensão da execução, passo à análise do mérito do pedido.

 

É cabível a medida excepcional, tendo em vista a notoriedade do evento e os interesses envolvidos, inclusive a segurança das famílias (pais e filhos menores de idade aguardando um desfecho dessa situação).

 

O E. Superior Tribunal de Justiça já definiu que “o art. 149, I, do ECA aplica-se às hipóteses em que crianças ou adolescentes participam, na condição de espectadores, de evento público, sendo imprescindível a autorização judicial se desacompanhados dos pais e/ou responsáveis”. (AgRg no Ag 663.273/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 17/10/2006, p. 273) (grifos nossos).

 

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, além do julgado já citado, ao tratar do poder normativo da autoridade judiciária previsto no artigo 149 do ECA, estabeleceu o seguinte:

 

“Deve-se, pois, considerar que o poder do juiz da infância e adolescência de emitir portarias fica limitado aos exatos termos do art. 149 do ECA, só sendo possível, então, através de tais portaria, disciplinar a entrada de crianças e adolescentes desacompanhados em certos locais públicos (como estádios esportivos ou boates) ou a participação de crianças e adolescentes em certos eventos (como concursos de beleza), sendo certo que tais portarias não só devem atender a critérios predeterminados (art. 149, § 1º, do ECA), como deverão ser fundamentadas e jamais poderão ter caráter geral.

(...) O que ocorre com o Estatuto é que o exercício do pátrio poder foi reforçado. Exemplo: antes pai e mãe só podiam frequentar certos lugares com os filhos se o Juiz de sua Comarca assim o julgasse adequado. A legislação anterior autorizava o juiz a agir como se fosse o legislador local para esses assuntos, expedindo portarias que fixavam normas sobre o que os pais podiam ou não fazer nesse terreno. Ou seja, o Juiz era autorizado, por lei, a interferir no exercício da cidadania dos pais em relação aos filhos. O Juiz era quem autodeterminava no lugar dos pais! Agora, cabe aos pais disciplinarem a entrada e permanência dos filhos, desde que os acompanhe (ECA, 75; 149, I), em: estádio, ginásio e campo desportivo; bailes e promoções dançantes; boate e congêneres; casa que explore comercialmente diversões eletrônicas; estúdios cinematográficos, de tetro, rádio e televisão. Desacompanhados os filhos, cabe ao Juiz local disciplinar essa frequência, obedecidas certas exigências do Estatuto (SÊDA, Edson. Constuir o Passado - ou Como mudar hábitos, usos e costumes, tendo como instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente, SP:Malheiros, 1993, p. 47)

 

Bem se vê, portanto, que, ao contrário do regime estabelecido pelo revogado Código de Menores, que atribuía à autoridade judiciária competência para, mediante portaria ou provimento, editar normas "de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor (art. 8º), atualmente é bem mais restrito esse domínio normativo. Conforme faz claro o art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a autoridade judiciária pode disciplinar, por portaria, "a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhada dos pais ou responsável" nos locais e eventos discriminados no inciso I, devendo essas medidas "ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral" (§ 2º). É evidente, portanto, o propósito do legislador de, por um lado, enfatizar a responsabilidade dos pais de, no exercício do seu poder familiar, zelar pela guarda e proteção dos menores em suas atividades do dia a dia, e, por outro, preservar a competência do Poder Legislativo na edição de normas de conduta de caráter geral e abstrato.” (REsp 1292143/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 07/08/2012) (grifos nosso).

 

Portanto, o legislador dispensou a expedição de alvará quando a criança ou adolescente comparece e permanece em um local para assistir espetáculo, acompanhada dos seus pais (inciso I).

 

Nesse cenário, deve ser garantida a entrada e permanência de menores de 0 (zero) a 04 (quatro) anos de idade no Rock in Rio - 2019, desde que acompanhados dos pais ou responsáveis no referido evento.

 

Configurados o manifesto interesse público e a grave lesão à ordem pública que a decisão judicial impugnada está a causar, há de ser deferido o pedido de suspensão, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92.

 

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de suspensão com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, da r. decisão liminar monocrática proferida nos autos do processo nº 0062644-13.2019.8.19.0000, pelo I. Desembargador Relator CARLOS AZEREDO DE ARAÚJO, da C. 9ª (nona) Câmara Cível deste E. TJ/RJ, de sorte que fica autorizada a entrada e permanência de menores de 0 (zero) a 04 (quatro) anos de idade, desde que acompanhados dos pais ou responsáveis, no "ROCK IN RIO – 2019”, vigorando a presente decisão até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, nos termos do art. 4º, parágrafo 9º, da Lei 8.437/92.

 

Resta prejudicado o pedido de anulação de eventuais multas que venham a ser lavradas por conta de menores possam ter ingressado no evento, haja vista que prevalecem os efeitos da presente decisão.

 

Intimem-se os interessados, servindo esta decisão como mandado judicial, e dê-se ciência à Procuradoria Geral de Justiça.

 

Comunique-se o juízo de origem.

 

Rio de Janeiro, 03 de outubro de 2019.

 

                         Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

                                         Presidente do Tribunal de Justiça