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Violência doméstica: caminho na superação das tensões entre o público e o privado
Notícia publicada por DECCO-SEDIF em 09/03/2020 13:17

Nesta semana realiza-se a 16ª Semana Justiça pela Paz em Casa, ação que acontece simultaneamente nos 27 Tribunais de Justiça, com o objetivo de prevenção e combate à violência contra a mulher.

“Paz em casa”, imaginário compartilhado pela nossa sociedade moderna, mas que na realidade cotidiana mostra-se um ideal complexo a ser alcançado. Segundo o dicionário Michaellis, paz, entre outros significados, expressa o sentido de tranquilidade e ausência de conflito entre as pessoas. A casa representando o lar, a família, comumente carrega expectativas idealizadas, ocultando dimensões que abarcam situações de violência, delinquência, toxicodependência, não levando em conta que para muitos nada mais é que um lugar de opressão e de infelicidade[1].

Mas como a família trouxe para si essa imagem de espaço de acolhimento, refúgio e paz?

A fim de compreender como chegamos a esse ideal de família, faz-se necessário relembrar alguns aspectos históricos que datam da Idade Média, época em que a vida acontecia primordialmente no campo, onde a aliança entre indivíduos era a principal forma de se proteger das ameaças. É a partir da Modernidade que a sociedade passa a ser composta por pessoas que sequer se conheciam, provocando a ruptura de vínculos nos quais as pessoas se amparavam, restando então se abrigar junto à família, tornando-se este o centro do espaço privado (ARIÈS, 2009, p.10). [2]

Desde aquele momento, os indivíduos se concentraram no ambiente familiar, este se convertendo em um refúgio idealizado e moralmente superior, no qual a família burguesa se impunha regras rígidas e estáveis tornando a vida privada mais segura. Dessa forma, o que acontecia no âmbito privado, mesmo que de forma ilusória, era considerado independente do ambiente externo, o que reforçava a imagem de proteção familiar, mas, em contrapartida, também outorgava ao chefe da família uma ampla autoridade sobre os demais membros:

“[...] as arbitrariedades que na esfera de cada grupo o superior podia cometer legitimamente contra os subordinados, com ingerências na disposição do trabalho, do lazer, do uso dos bens e das dignidades, do próprio corpo desses subordinados no âmbito familiar”.[3]

Essa perspectiva deixou um legado histórico que nos afeta até os dias de hoje, pois, como sociedade, consideramos o lar um espaço privado praticamente inviolável, bastando lembrarmos do popular ditado: “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Assim sendo, a resistência em se consentir que o Estado interfira nessa esfera, dita particular, torna-se uma consequência natural.

Apesar das tensões entre a esfera pública e privada ainda existirem, o caminho para a superação desse legado já se iniciou, cabendo destacar as mudanças na Constituição de 1988, o Código Civil de 2002 que suprimiram em seus textos o conceito de “chefe de família” e a Lei Maria da Penha um símbolo no combate à violência doméstica.

Dessa forma, o dia 08 de março é um dia para se comemorar as conquistas alcançadas pelas mulheres, e o esforço da Justiça em consolidar a visão de que a violência contra a mulher não é uma questão de âmbito privado, mas sim da esfera pública, onde o papel do Estado, na figura da Justiça, é a de garantir a equidade entre os indivíduos, sendo a ‘Semana da Paz em Casa” um exemplo do esforço do Poder Judiciário nessa direção.

Acesse aqui as ações do TJERJ durante a 16ª SEMANA JUSTIÇA PELA PAZ EM CASA.

 

[1] DIAS, Isabel. Violência doméstica e justiça: respostas e desafios. Sociologia: Revista do Departamento de Sociologia da FLUP, Vol. XX, 2010, pág. 245-262

[2] ARIÈS, Phillipe. Por uma história de vida privada. In: História da vida privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. Organização Roger Chartier. Companhia de bolso. 2009.

[3] CASTAN, Yves. Política e vida privada. In: História da vida privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. Organização Roger Chartier. Companhia de bolso. 2009, p.50

 

HA/CEL

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