Júri Popular: sete jurados decidem pela condenação ou inocência
Em um curto prazo de nove dias, dois casos de violência que chocaram a população do Rio de Janeiro e movimentaram, por anos, as manchetes da imprensa e das redes sociais, tiveram resultados e reações dos familiares bem diferentes, nas decisões dos jurados em sessões distintas do Júri Popular. No dia 31 de outubro, o Conselho de Sentença do IV Tribunal do Júri da Capital condenou os ex-policiais militares Ronnie Lessa a 78 anos e 9 meses de reclusão, e Élcio de Queiroz a 59 anos e 8 meses de reclusão, pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista da parlamentar, Anderson Gomes e por tentativa de homicídio contra a assessora de imprensa Fernanda Chaves. As vítimas foram executadas a tiros, no dia 14 de março de 2018, no Centro do Rio.
Nove dias depois, em 9 de novembro, o Conselho de Sentença do I Tribunal do Júri da Capital absolveu o policial militar Rodrigo José de Matos Soares, apontado como autor do disparo de fuzil que atingiu as costas da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de oito anos, que estava sentada em uma Kombi de passageiros, quando voltava para casa com a mãe, na noite do dia 20 de setembro de 2019, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio.
Euforia e alívio para algumas famílias, revolta e decepção para outras. A sentença lida pela Presidência do Júri, ao final de uma sessão de julgamento, retrata o entendimento e a convicção de cada um dos sete jurados que compõem o Conselho de Sentença, no momento de decidir pela condenação ou inocência do réu.
Não importa a repercussão dos crimes junto à imprensa, ou mesmo, a comoção popular. Após os depoimentos das testemunhas, o interrogatório dos réus e a apresentação das provas e argumentos pela acusação e defesa, na hora da decisão, são os sete jurados, reunidos em uma sala secreta, ao responderem aos quesitos apresentados pelo juiz, presidente do júri, sobre os fatos do crime que está sendo julgado, os únicos responsáveis pelo destino dos réus.
Tamanha responsabilidade, na avaliação de Sebastião Rufino dos Santos, jurado há 42 anos, atualmente atuando no III Tribunal do Júri da Capital, é recompensada pelo prazer de ter a oportunidade de fazer justiça. “Mesmo com essa grande responsabilidade de decisão, é muito bom ser jurado porque você ajuda no processo de fazer justiça, principalmente, porque, no Tribunal do Júri, são julgados crimes da mais alta gravidade, o homicídio, que é tirar ou tentar tirar a vida de outra pessoa. Participar de um júri, para mim, significa contribuir para que a justiça seja feita. É muito gratificante saber que você foi um dos sete jurados a votar pela absolvição daquele réu, por concluir pela sua inocência, ou condenar, por estar convicto de sua culpabilidade”, afirma.
Rufino conta que, na maioria dos júris que atuou, saiu convencido de ter contribuído para que a justiça fosse alcançada, contando com seus votos nos quesitos apresentados no momento do julgamento. Ele confessa, contudo, que nem sempre foi assim.
“Houve júris que, mesmo avaliando haver indícios de que o réu era culpado, as provas técnicas apresentadas não foram suficientes para que eu pudesse votar pela condenação. A gente vê que a família falou a verdade, que teve maldade por parte do réu que está sendo julgado. Mas o jurado tem que analisar as provas técnicas e se ater ao que está no processo”, considerou.
Para as pessoas que têm intenção de se candidatar a jurado, Rufino aconselha: “A primeira coisa e mais importante é não ter medo de ser jurado. Nesses 42 anos que atuo, nunca soube de nenhum caso de um jurado que tenha sido ameaçado ou morto por ter participado do júri de alguém que foi condenado. Isso é história da carochinha. O jurado também não deve se deixar levar pelo que é noticiado na imprensa, na televisão ou na internet. Ele tem que vir para o júri purificado e só considerar o que for falado no plenário do júri, pelas testemunhas, promotor, advogado, defensor público e, até mesmo, os réus. Deve também observar as provas apresentadas, enfim, se ater ao que ocorrer na sessão de julgamento”.
Julgamento imparcial e o mais justo possível
Para a juíza Alessandra Roidis, titular do I Tribunal do Júri da Capital, o jurado tem um papel fundamental para que se alcance o principal objetivo do processo: um julgamento imparcial e o mais justo possível.
“O jurado tem que ser uma pessoa que queira participar da forma mais democrática da realização da justiça. Sempre digo nas reuniões periódicas com os jurados novos que o jurado tem que se despir de todos os preconceitos e de todas as pressões midiáticas para poder exercer a função com imparcialidade. A imparcialidade é essencial para julgar os casos apenas com base nas provas apresentadas e sua íntima convicção diante dos fatos a eles apresentados pelas partes”, considera.
A juíza ressalta que nem todos os membros que compõem o corpo de jurados de cada Tribunal do Júri são voluntários. Muitos são convocados, a cada ano, entre os servidores de órgãos públicos. “Por isso, ocorrem casos de alguns jurados que não gostam de ser sorteados para participar do júri. No entanto, sempre explico que se trata de uma ótima oportunidade para o cidadão conhecer o Judiciário, fazer parte da realização da justiça e conhecer algumas das diversas dificuldades enfrentadas pelos julgadores. Geralmente, após o curto período de convocação, o jurado gosta da experiência e conta como o Tribunal do Júri modificou sua visão sobre a natureza humana, o funcionamento das instituições e, principalmente, do Judiciário. Devo confessar que sou entusiasta do Tribunal do Júri”, afirmou Alessandra Roidis.
Quem pode ser jurado
Para ser jurado no Tribunal do Júri é preciso cumprir alguns requisitos, como: ser brasileiro nato ou naturalizado, ter mais de 18 anos, não ter antecedentes criminais, ter boa conduta moral e social, estar em pleno gozo dos direitos políticos e residir na região do crime.
A inscrição para ser jurado pode ser feita nos cartórios do Tribunal do Júri dos fóruns de cada município. É preciso apresentar a carteira de identidade, comprovante de residência e preencher formulário próprio.
A lista geral de jurados é publicada, anualmente, no Diário de Justiça Eletrônico. Após a publicação, o juiz do Tribunal do Júri sorteia 25 jurados por mês. Os sorteados devem comparecer a todas as sessões de julgamento do Tribunal do Júri em que se inscreveram.
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para se inscrever como jurado voluntário, é preciso enviar um e-mail para diiso.voluntariado@tjrj.jus.br. Para mais informações, entrar em contato pelo telefone 3133-3169.
Como votam os jurados na “Sala Secreta”
A lei determina uma ordem para a formulação das perguntas: se o crime ocorreu, se o acusado é autor ou participante do crime e se ele deve ser absolvido. Se qualquer uma dessas perguntas for negada pela maioria dos jurados, o julgamento é interrompido.
A partir desses três primeiros quesitos obrigatórios, os questionamentos podem se estender, dependendo de cada processo em julgamento. As questões podem se referir, por exemplo, a fatos que podem diminuir ou aumentar a pena e elementos que qualificam o crime.
O Código de Processo Penal especifica que os quesitos devem ser votados de forma individualizada, ou seja, para cada réu e para cada crime.
A votação, feita por meio de cédulas com as palavras “sim” ou “não”, deve sempre proteger o sigilo dos(as) sete jurados(as), de maneira a não expor como cada um(a) votou.
Após serem sorteados e aceitos pelas partes (acusação e defesa), os sete jurados que compõem o Conselho de Sentença participam de toda a sessão de julgamento, podendo apresentar questões durante os depoimentos das testemunhas e interrogatório dos réus.
Ao final da sessão de debates entre acusação e defesa, os jurados se dirigem à Sala Secreta para votarem os quesitos apresentados pelo juiz presidente do Júri.
No momento da votação dos quesitos, os sete jurados recebem duas cédulas para cada pergunta, uma contendo “sim” e a outra “não”. Para cada quesito o jurado deve escolher uma das cédulas para depositar em uma urna. O voto é secreto e a contagem dos votos é feita até atingir a maioria do “sim” ou “não”. Assim, não é possível saber como cada jurado votou.
JM/MB