Caso Marielle Franco e Anderson Gomes: 4º Tribunal do Júri inicia julgamento de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz
O 4º Tribunal do Júri da Capital iniciou, na manhã de quarta-feira (30/10), o julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Os dois réus participam do júri por videoconferência diretamente das unidades onde estão presos. Ronnie Lessa está na Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, e Élcio, no Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília. Marcado por momentos de emoção, o julgamento, presidido pela juíza Lúcia Glioche, titular do 4º Tribunal do Júri, e foi aberto às 10h30 com o plenário lotado, incluindo parentes e amigos da vereadora e do motorista Anderson, políticos, jornalistas do Brasil e de outros países, estudantes de Direito, entre outros.
Durante a sessão, foram ouvidas nove testemunhas, sendo sete indicadas pelo Ministério Público e duas pela defesa de Ronnie Lessa. A perita criminal Carolina Rodrigues Linhares era uma das testemunhas arroladas e não compareceu, mas foi mostrado seu depoimento anterior em vídeo. Os réus foram interrogados no fim da noite. O julgamento prossegue nesta quinta-feira (31/10), a partir das 8h.
Fernanda Gonçalves Chaves, assessora de imprensa de Marielle e sobrevivente do atentado, foi a primeira testemunha a ser ouvida. A participação da vítima foi feita de forma virtual e sem a presença dos réus, a pedido da mesma. A jornalista iniciou seu depoimento falando como foi o dia do crime.
“Acabou o evento na Casa das Pretas e nos dirigimos para o carro. O Anderson já nos aguardava. A Marielle sentou atrás, algo que era incomum, já que sempre sentava no banco do carona. Eu estava sentada atrás do banco do motorista. Fomos conversando sobre o evento e a agenda do dia seguinte. Ao mesmo tempo, olhávamos os nossos celulares. O carro ia muito devagar quando ouvi uma rajada na nossa direção. Em um reflexo imediato, me abaixei e me encolhi. Me enfiei atrás do banco do Anderson. Marielle não esboçou nenhuma reação. Anderson falou um ‘ai’ de dor, um suspiro. Lembro do carro andando e os braços dele caindo. Segurei o volante, desengatei a marcha e puxei o freio de mão. Fiz tudo abaixada”, contou.
A sobrevivente também relatou como a sua vida mudou completamente após o crime. “Mesmo após quase sete anos do atentado, não há normalidade. Eu tive que sair do país. Dois dias e meio depois, eu saí de casa com a minha família. Fomos para Brasília aguardar os trâmites para sair do país. Meu marido fechou o escritório para me acompanhar. Minha filha estava com seis anos, no período de alfabetização. Ela deu até logo para os amiguinhos da escola e nunca mais voltou. Foi tudo muito doloroso.”
Mãe: “Foi um pedaço que foi tirado de mim”
Segunda testemunha de acusação a depor, a mãe da vereadora Marielle, Marinete da Silva, não se opôs a falar na frente dos acusados. “Ela foi uma criança muito desejada. Desde muito nova ela se destacava. Sempre foi uma boa mãe e uma excelente filha”, relembrou.
Durante a sua oitiva, Marinete revelou que foi contra a candidatura de Marielle para o cargo de vereadora do Município do Rio de Janeiro. "Eu fui contra. Eu não sentia coisa boa no meu coração em relação ao mandato partidário. Mas, quem era eu na época para contrariar os desejos de uma mulher de 38 anos? O partido não tinha uma candidata negra e, por isso, ela foi”, revelou.
A falta que a filha lhe faz foi resumida numa frase curta e doída: É um vazio. Foi um pedaço que foi tirado de mim.”
“Marielle estava no momento mais feliz da vida dela”, diz viúva
Terceira testemunha a ser ouvida, Mônica Benício, viúva de Marielle, se emocionou ao falar sobre ela. Mônica disse que a vereadora atuava em muitas frentes, entre elas a da questão fundiária, defendendo o direito à moradia digna. Descreveu Marielle como uma pessoa companheira, afetuosa, com grande poder de empatia e cumplicidade. E lembrou que a última coisa que ouviu de Marielle foi “eu te amo”.
Mônica revelou as dificuldades psicológicas e emocionais que passou após a perda da companheira. E destacou que Marielle nunca relatou ter sido ameaçada e que há um grupo capaz de matar uma mulher negra, favelada, LGBTQIA+ e socialista como forma de fazer política. “Isso não cabe em um estado democrático de direito. Ela era uma grande figura de esquerda no Brasil, hoje estaria ocupando o lugar que quisesse com apoio político”, avaliou.
À espera de justiça
Em seguida, Ágatha Reis, esposa de Anderson, o descreveu como uma pessoa maravilhosa, que sempre quis ser pai, começou a trabalhar cedo e um ótimo filho, marido e pai. Disse que ele tinha muita fé e acreditava que ficaria tudo bem com o filho, que nasceu com deficiências, parcialmente diagnosticadas ainda na gestação. O menino tinha um ano e oito meses quando o pai morreu.
Ela citou que a morte de Anderson prejudicou muito a criança, não só pela sua ausência, mas, também, pela impossibilidade de fechar um estudo genético do filho. Ela contou que Arthur demanda ainda muita disponibilidade e recursos financeiros devido aos tratamentos que precisa realizar. “Espero que as pessoas que me tiraram o Anderson, o pai do Arthur, paguem pelo que elas fizeram”, afirmou.
Investigações
Na sequência, o policial civil Carlos Alberto Paúra Junior, que participou do núcleo de investigação do veículo em que as vítimas foram mortas, disse que o carro usado no crime foi clonado, que localizaram o veículo original, mas não foi possível encontrar o que foi usado no crime. Na investigação, ele disse que foram identificados ainda os locais por onde o veículo passou.
Outro policial ouvido foi Luismar Corteletti, que atuou no caso no setor de busca eletrônica do núcleo de inteligência. Ele explicou que, por meio do histórico de chamadas e conexões de internet, foi possível gerar um relatório de vínculos para análise de tempo e espaço relativa aos acusados.
A perita criminal Carolina Rodrigues Linhares não compareceu, mas foi mostrado seu depoimento anterior em vídeo, em que ela explicou as marcas características dos tipos de bala e disse que, por meio de exame de balística e de características presentes no veículo, no chão do local do crime e nos corpos foi possível chegar ao tipo de arma usada, possivelmente com um silenciador.
Testemunhas de defesa
Primeira testemunha de defesa a ser ouvida, a pedido da defesa de Ronnie Lessa, o delegado federal Guilhermo Catramby disse que entrou no caso em fevereiro de 2023 e que encontrou uma dificuldade inicial em meio à “imensidão” de procedimentos realizados. Ele citou a importância dos acordos de delação premiada dos réus para que fosse possível chegar aos mandantes do crime, que Ronnie e Élcio se desfizeram do carro usado – ato executado por “Orelha” – e que eles usavam um aplicativo com autodestruição de mensagens para tratar de assuntos ilícitos.
Disse ainda que acessaram o histórico de buscas feitas na internet e fizeram um levantamento do histórico policial de Ronnie e de Élcio e que, depois do crime, Ronnie levou seu afilhado, filho de Élcio, para a Disney. O delegado confirmou ainda que os réus mantêm uma amizade de muitos anos, com convívio entre as famílias, e que a questão fundiária teria sido a motivação do assassinato de Marielle.
Última testemunha a depor, o policial federal Marcelo Pasqualete relatou como as investigações chegaram à rota utilizada pelos réus nas fases pré e pós-crime. Disse que as últimas provas apresentadas derrubaram a alegação de inocência dos dois, que acabaram concordando em assumir o crime em delação premiada.
A defesa do réu Élcio de Queiroz não quis apresentar testemunhas.
Interrogatórios
Na fase de interrogatório, Ronnie Lessa foi o primeiro a ser ouvido. Ele contou que foi procurado em 2016, quando recebeu proposta para executar o ex-deputado federal Marcelo Freixo, mas que não teria concordado. No ano seguinte, voltou a ser procurado, mas que, dessa vez, o “alvo” era a vereadora Marielle Franco.
Lessa contou como convidou Élcio para dirigir o veículo no dia do crime e disse, ainda, que os mandantes só exigiram que a execução não ocorresse em frente à Câmara Municipal.
Durante todo o seu depoimento, Élcio de Queiroz insistiu em afirmar que só descobriu que participaria de um homicídio quando o veículo que dirigia estacionou próximo à Casa das Pretas, na Lapa, onde Marielle participava de um evento, e viu Ronnie Lessa se preparando com a submetralhadora.
Revelou que convenceu Ronnie a não executar a vereadora no local do evento e que, após o carro de Marielle sair, conseguiu perseguir e emparelhar, deixando o veículo que pilotava em condições para o Ronnie atirar. Afirmou que, por isso, não imaginava que outra pessoa tinha sido atingida.
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