Mulheres em Pauta: TJRJ debate temas ligados à questão de gênero em prévia do G20 Brasil 2024
O presidente do TJRJ, desembargador Ricardo Cardozo (ao centro), com magistrados e palestrantes
Em evento paralelo que antecede o G20, encontro que reunirá na Cidade do Rio de Janeiro chefes de Estado e de Governo representantes das maiores economias mundiais a fim de criar propostas sobre temas de interesse global, o Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) realizou, nesta terça-feira (12/11), o seminário Mulheres em Pauta, com painéis sobre temas ligados à igualdade de gênero. O presidente do TJRJ, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, participou da abertura, destacando que o evento era espaço dedicado à reflexão e ao debate sobre as conquistas e desafios enfrentados pelas mulheres. “A luta pela igualdade de gênero é um movimento disruptivo. É essencial que continuemos a luta contra as desigualdades persistentes”, ressaltou.
"Políticas Públicas para o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres" foi o tema do primeiro painel, que começou com a exposição da consultora de Diversidade e Inclusão Janaína Gama, co-líder da delegação no Brasil do Women 20 (W20), grupo de engajamento independente oficial do G20 voltado para a promoção da igualdade de gênero e do empoderamento econômico das mulheres. Ela lembrou que, ainda hoje, o tema da inclusão de gênero em determinados espaços é criticado ou não compreendido. A especialista citou aspectos ligados à questão de gênero, como empreendedorismo, economia de cuidados, justiça climática e carreiras com pouca participação feminina, como as da área tecnológica. “Ocupar espaços de decisão, de liderança, é extremamente importante”, afirmou, citando ainda a relevância de políticas públicas para a equidade de gênero.
A socióloga, cientista política e fundadora diretora da organização não governamental (ONG) Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Jacqueline Pitanguy, fez um breve histórico do ativismo feminista ao longo dos anos. “Estamos sempre traçando, definindo e redefinindo conceitos como crime, castigo, ordem, desordem”, explicou, complementando que, em alguns campos, como o do feminicídio, por exemplo, já houve avanços. “A justiça tem um papel importantíssimo nisso”, disse.
A assistente de coordenação de projetos na ONG Criola, a advogada Patrícia Oliveira de Carvalho falou sobre a perspectiva de racismo patriarcal como aspecto da violência de gênero. “Mulheres negras estão sub-representadas em todas as regiões do Brasil”, afirmou. Ela falou sobre a ausência de dados, conhecida como violência do apagamento, e sobre a violência sofrida por mulheres negras, trans, cis, indígenas e de outras etnias. Para a advogada, é importante trazer o racismo para o centro do debate e haver o financiamento de políticas de enfrentamento à violência de gênero. “O poder das mulheres nas instituições é importante para a equidade em todas as vertentes”, destacou a coordenadora do painel, Patrícia Serra, vice-presidente do Comitê de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual e da Discriminação (Cogen1º Grau) e do Cogen 2º Grau da Justiça do Rio.
Dando início ao segundo painel, a presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj) e coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem), desembargadora Adriana Ramos de Mello, destacou que a Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz de Pequim completará 30 anos no próximo ano e que muitas das questões tratadas na época permanecem atuais. “Temos avanços e retrocessos. Os direitos das mulheres não são conquistas lineares, são sinuosas”, disse. “É muito importante a participação das mulheres neste G20, esperamos que seja o mais exitoso possível”.
A coordenadora do painel, desembargadora Maria Cristina de Brito Lima, especialista em políticas públicas e governo, citou o caso de uma mulher que não contava ao marido quanto recebia de salário porque, se ele soubesse que ela ganhava mais do que ele, o casamento poderia acabar. “Aqui estamos falando ‘quem é que tem o dinheiro na casa?'".
A secretária estadual da Mulher do Rio de Janeiro, Heloisa Aguiar, apresentou um diagnóstico do perfil das empreendedoras do Estado do Rio, citando que, dos 2,5 milhões de donos de negócios, 38% são mulheres e destacou que o Rio é líder no ranking de estados com mulheres empreendedoras. “É um nicho que precisamos capacitar e incluir’, afirmou.
Segundo a doutora em Ciências Sociais e Jurídicas no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora Ana Míria Carinhanha, o empoderamento econômico tem um aspecto histórico para as mulheres. “Sempre foi permitido ao homem estar nestes espaços em que as economias rodassem”, compartilhou, citando ainda que a maior parte das empreendedoras são negras porque a elas também foi negada uma perspectiva de acesso a direitos trabalhistas. “O empreendedorismo não pode significar uma abdicação de direitos”, acrescentou, alertando que temos que ter o cuidado de não incorrer em medidas que reforcem as desigualdades.
A doutora em Economia da Faculdade de Economia do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais e do Núcleo de Pesquisas em Gênero da UFF e professora Hildete Pereira de Melo destacou que as mulheres estão fora do poder. “É só olhar como foram silenciadas na história do Brasil”, afirmou, dizendo ainda que as mulheres são socializadas para cuidar das pessoas e a ganhar menos do que os homens, atuando mais em áreas como educação, saúde e trabalho doméstico remunerado. “A sociedade patriarcal ainda não foi desfeita totalmente”, observou.
A mediadora do painel, juíza Katerine Jatahy Kitsos Nygaard, destacou que atualmente, no Judiciário, há um protocolo para julgamento de questões de gênero, raça, cor e classe social. “Quando a gente fala em igualdade de gênero é sobre garantir oportunidades iguais para que homens e mulheres exerçam de forma igualitária seus direitos”, disse.
Participaram ainda do evento na parte da manhã o 1º vice-presidente do TJRJ, desembargador Caetano Ernesto da Fonseca, e o vice-presidente do Conselho Consultivo da Emerj, desembargador Cláudio Luís Braga dell’Orto, e a desembargadora Maria Teresa Pontes Gazineu.
Impactos das mudanças climáticas para mulheres indígenas e quilombolas
A juíza auxiliar do TJMA, Mirella Cezar Freitas (E); educadora e liderança quilombola, Ana Beatriz Bernardes Nunes; procuradora de Justiça do MPRJ Denise Tarin; desembargadora Adriana Ramos de Mello, presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj) e coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem); o presidente do COGEN -1º GRAU e do COGEN -2º GRAU do TJRJ, desembargador Wagner Cinelli; desembargadora Patrícia Ribeiro Serra Vieira, desembargadora Maria Teresa Pontes Gazineu, juíza Luciana Fiala, membro do COEM, Luciana Fiala.
Na parte da tarde, o seminário seguiu com painéis abordando a temática de gênero sempre ligado a diferentes questões e desafios. O painel “Mudanças climáticas, gênero e o impacto para mulheres indígenas e quilombolas”, foi o terceiro do dia. A desembargadora Maria Teresa Pontes Gazineu, coordenadora do evento, abriu o bloco convidando todos para uma reflexão sobre a importância de os tomadores de decisão estarem em compasso com quem mais sofre com as crises climáticas: meninas e mulheres.
“Há uma relação direta entre ação humana e o impacto na natureza. Isso é uma realidade. Independente da causa, enfrentamos questões climáticas. Então, acreditando ou não, o resultado está aí. Essa reflexão conjunta que iremos fazer é muito importante porque se não dermos voz aos que sofrem, quem decide o futuro não estará em compasso com a origem dos problemas”, afirmou a desembargadora.
Em seguida, passou a palavra para Denise Tarin, procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, que também secretaria o grupo de trabalho “Proteção de Encostas e Revitalização de Bacias Hidrográficas em Áreas Urbanas”. A procuradora apresentou dados sobre impactos climáticos e pediu licença para trazer a visão das mulheres periféricas, que moram em favelas ou quilombos.
“O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) registrou, em 2023, 1.161 desastres naturais no nosso país, entre enchentes e deslizamentos de terra. Em média foram três por dia. Então estamos sempre trabalhando na perspectiva de emergência e crises, como as vividas nos últimos anos por moradores de Petrópolis, Manaus e São Paulo. Precisamos refletir sobre as perspectivas das mulheres nessas situações. Segundo estudo da ONU Mulheres, elas têm 14 vezes mais chance de morrer nesses eventos climáticos, seja pela fome ou pobreza”, explicou Tarin.
Igreja engajada
Padre Omar Raposo, reitor do Santuário Cristo Redentor, abordou a responsabilidade de criar laços com as autarquias e cooperar dentro do espírito, princípios do bem comum e de valores compartilhados para agir diante de situações emergenciais.
“Em dezembro vem o verão e com a estação chega também o medo dos estragos que as chuvas podem trazer. Ficamos tensos e por isso criamos uma rede colaborativa para nos adiantarmos diante de situações emergenciais”, contou o religioso. Ele destacou ainda o movimento que o Papa Francisco e a Igreja Católica fizeram para ir ao encontro de mulheres periféricas e com todo o tipo de carência que essa mulher pode ter.
Sabedoria quilombola
Ana Beatriz Bernardes Nunes, educadora, liderança quilombola e presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), seguiu com a palavra. A educadora reforçou a necessidade de dar lugar de fala para as comunidades tradicionais, que sempre souberam o que fazer em casos de desastres climáticos. “Os quilombolas têm os saberes do manejo das sementes, das terras e das águas. Convidamos a sociedade para vivências nos quilombos, para contar como vivemos e o que fazemos para preservar e proteger nossas terras contra especulação imobiliária e invasão fundiária.”
Luta dos povos indígenas
Logo depois, Fernanda Kaingang, diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, artista e líder indígena da etnia Caingangue, afirmou que os povos indígenas e seus direitos são negados historicamente no Brasil.
“Somos 305 povos indígenas, ocupamos 3,8 % do território nacional, falamos 274 línguas e representamos 1% da população brasileira. Mesmo assim somos invisíveis e agredidos por vivermos isolados. As mudanças climáticas que batem a nossa porta, atingem com mais força as mulheres indígenas e quilombolas. Por outro lado, são essas mulheres que estão na vanguarda na restauração de danos. É um paradigma”, concluiu.
A arte como grito de alerta
Um painel sobre a importância das letras e artes na prevenção da violência de gênero, com exibição do curta-metragem de animação “Sobre Ela” – do desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas, que está à frente dos Comitês de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual e da Discriminação (COGENs) do primeiro e segundo grau.
“Como humanidade, damos passos para trás e para frente. Falamos pouco sobre escravidão – que não terminou com a abolição, como também sobre outras questões sociais, que envolvem a dignidade humana. Esse curta-metragem “Sobre Ela”, que criei e roterizei é mudo de propósito porque trata de violência doméstica e de relações abusivas do homem que transforma o lar em um ambiente de medo para a mulher”, concluiu.
Deliberações
Ao final do evento, as desembargadoras Adriana Ramos de Mello, Maria Teresa Pontes Gazineum, Katerine Jatahy Kitsos Nygaard e o desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas se reuniram para consolidar as propostas e deliberações finais, que vão ser enviadas ao presidente do Comitê do G20, Lucas Wosgrau Padilha.
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Fotos: Brunno Dantas/ Felipe Cavalcanti/TJRJ