Inteligência artificial marca debate sobre futuro da Justiça Multiportas
Da esquerda para a direita, estão à mesa o procurador Carlos Edison do Rêgo e os desembargadores Cesar Cury, Ricardo Alberto Pereira e Cláudio dell’Orto
O impacto que a inteligência artificial (IA) pode causar na prática de mediação e conciliação foi o ponto em comum entre os painéis apresentados na tarde do primeiro dia do 6º Encontro Nacional de Mediação, na última sexta-feira, dia 25 de setembro. Para analisar os detalhes de como essa ferramenta foi e ainda pode ser usada em prol do exercício jurisdicional, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) dividiu o assunto em quatro painéis e reuniu magistrados, procuradores e estudiosos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). A edição teve como tema “Construindo o Futuro da Justiça Multiportas: Inteligência Artificial, Justiça Multidimensional e as Novas Possibilidades da Consensualidade” e vai até esta sexta-feira, dia 26.
Novos paradigmas da sociedade e dos conflitos
O segundo painel do Encontro Nacional de Mediação destacou a importância da formação judicial para consensualidade diante dos novos paradigmas da sociedade e dos conflitos. Ele foi presidido pelo desembargador Ricardo Alberto Pereira e composto pelo diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), desembargador Claudio Dell’Orto; pelo procurador-chefe do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RJ), Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho; e pelo presidente do Nupemec e da Escola de Mediação (Emedi), desembargador Cesar Cury.
Ao abrir a palestra, o desembargador Cláudio Dell’Orto pontuou a importância da formação contínua para mediadores. “Não há um conhecimento acabado em si próprio. A tecnologia tem sido uma aliada na constante mudança da sociedade, acelerando essas mudanças e ampliando os conflitos. Nesse contexto, observamos a necessidade de estudar cada vez mais para descobrir novas formas de lidar com as novas demandas de uma sociedade digitalizada. A mediação e conciliação se tornam equipamentos essenciais para atuar nessa nova realidade, reduzindo os conflitos”.
O procurador Carlos Edison complementou a exposição, enfatizando a necessidade de uma formação contínua para a prática da jurisdição adequada. “A prática há de ser calçada em um estudo permanente. É fundamental que o sistema de justiça e os seus operadores não fechem os olhos para essa nova realidade, mas encontrem formas de se adaptar a ela, a fim de prestar um serviço jurisdicional mais rápido, ágil e efetivo, utilizando a inteligência artificial como um apoio, por exemplo”.
Cultura da consensualidade
A terceira mesa foi presidida pelo desembargador Humberto Dalla Bernardina de Pinho e composta pelo juiz Gustavo Quintanilha Telles de Menezes e pelo professor e advogado José Roberto de Castro Neves. A construção da cultura e da consensualidade no direito e na sociedade foi o tema do painel.
Durante a palestra, o professor José Roberto de Castro, destacou os problemas causados pela judicialização excessiva. “No Brasil, temos 84 milhões de ações ajuizadas, mais de 1 milhão de advogados ativos na OAB, fora o número crescente de alunos de Direito. Esses números revelam um sintoma, indicando que alguma coisa não está bem na sociedade. No Brasil, há uma cultura da briga, do conflito e do litígio. Isso tem um impacto negativo em diversas áreas, como o afogamento do Judiciário, a demora no andamento e conclusão dos processos e os custos disso para a sociedade”.
Para o juiz Gustavo Quintanilha, é necessário construir uma cultura do consenso. “O trabalho e a atuação de um advogado é algo extremamente importante. Ao longo da história da humanidade, vemos como essa atuação foi necessária. No entanto, a função do advogado não é brigar, mas resolver o conflito do seu cliente. É preciso entender que a cultura de paz é necessária. Mas essa não é uma função somente do advogado. Cada pessoa também pode ajudar a promover a cultura de paz, encontrando formas de reduzir os conflitos no seu dia a dia".
Juiz de Direito Gustavo Quintanilha, desembargador Humberto Dalla e o professor José Roberto de Castro participam de terceira mesa do encontro de mediação
Tecnologia e ética
O desembargador Cesar Felipe Cury presidiu a quarta mesa ao lado do diretor-geral da Emedi, juiz Francisco Emílio de Carvalho Posada; do fundador da plataforma de estudos de ética aplicada à tecnologia Technoethics, André Gualtieri de Oliveira; e do diretor do Instituto PUC–Behring de Inteligência Artificial, professor Renato Fontoura de Gusmão Cerqueira. No painel, eles abordaram o tema da tecnologia à serviço da consensualidade e eficiência na resolução de conflitos.
Para o desembargador Cesar Cury, é significativa a implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento das ferramentas do consensualismo. “Ultimamente, a gente vem redescobrindo o consensualismo como um campo de normativa que pode regular relações interpessoais e que não se limita a situações triviais ou entre particulares. Mas que, na verdade, atravessa toda a dinâmica da sociedade. A implementação de tecnologias pode ser usada como ferramentas para aprimorar o consensualismo”.
Ao tratar da inteligência artificial, André Gualtieri ressaltou a necessidade de observar todos os riscos e benefícios que o uso da nova ferramenta pode trazer. “Olhando para o mundo no qual vivemos hoje, é impossível compreendê-lo sem pensar nos impactos que as tecnologias emergentes trazem para a vida humana. Entre elas, a inteligência artificial. No entanto, essas tecnologias não são neutras. Há na inteligência artificial aspectos positivos e negativos e precisamos estudar e entender essas diferenças”.
O professor Renato Cerqueira destacou a importância que a IA governamental pode gerar na resolução de conflitos. “Na mediação, a inteligência artificial pode ser uma aliada na construção a de uma justiça mais acessível, justa e humana, se usada de forma ética e governável”.
O juiz Francisco Posada apresentou a plataforma institucional +Acordo, do TJRJ, como uma das ferramentas tecnológicas aliada na mediação e conciliação. “Tem a finalidade de buscar soluções adequadas para diversos conflitos de interesses. Ela proporciona uma experiência melhor entre o usuário e o sistema de Justiça. A plataforma atua em alguns pilares. O primeiro é o de acordo, o segundo é sobre a negociação direta entre as partes, e o terceiro é a negociação direta com indução do comportamento por meio de uma inteligência artificial”.
Da esquerda para a direita, estão à mesa André Gualtieri,o juiz de Direito Francisco Posada, o desembargador Cesar Cury e Renato Cerqueira
Conflitos tributários
O último painel apresentou a mediação para a solução de conflitos na área tributária. A mesa foi presidida pela desembargadora Flávia Romano de Rezende e composta pela juíza Letícia D'Aiuto de Moraes Ferreira Michelli e pelo procurador do Estado do Rio de Janeiro Marco Antônio Rodrigues, que destacou a Justiça Multiportas no país.
“O modelo de Justiça Multiportas foi inserido em nossa legislação a partir do terceiro artigo do Código de Processo Civil de 2015. Ali, foi estabelecido um modelo que determinava que ninguém deveria ser excluído do acesso à Justiça, e que o Estado deveria estimular a solução consensual de conflitos, promovendo métodos alternativos, como a conciliação e a mediação, a fim de garantir uma ordem jurídica mais colaborativa.”
A juíza de Direito Letícia D'Aiuto pontuou a nova concepção de interesse público na transformação do paradigma tradicional na administração tributária. “Durante a pandemia da Covid-19, a administração pública percebeu a queda na receita com muitas empresas fechando e não era do seu interesse que o déficit na arrecadação expandisse mais ainda. Então, ela foi priorizando soluções colaborativas e eficientes para resolução de conflitos daqueles entes que se mostravam interessados em regularizar sua situação - o que até então era algo quase inexistente em nosso país”.
Último painel tem mesa com procurador Marco Rodrigues, desembargadora Flávia Romano e juíza Letícia D’Aiuto
A ação contou com a parceria da Emedi, da Conferencia de Universidades para el Estudio de la Mediación y el Conflicto (Cuemyc), da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), do Fórum Permanente de Justiça Multiportas, Mediação e Justiça Restaurativa, do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Observatório da Justiça Multiportas.
KB/SF
Fotos: Rafael Oliveira/TJRJ