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Magistrados e advogados debatem reconhecimento de pessoas no processo penal
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 08/08/2023 10:17

A advogada Fernanda Tórtima, o juiz Anderson de Paiva, o corregedor Marcus Henrique Basílio, o diretor da Emerj Marco Aurélio Bezerra de Melo, o conselheiro do CNJ Mauro Martins, o ministro Rogério Schietti e o advogado Ary Bergher (da esquerda para a direita)

O reconhecimento de pessoas no processo penal foi o tema do seminário promovido, na manhã de segunda-feira (7/8) pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), no Auditório Desembargador Paulo Leite Ventura. O coordenador do Grupo de Trabalho Reconhecimento de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogério Schietti Cruz, discorreu sobre as “Diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas no Processo Penal: Uma Análise da Resolução CNJ Nº 484/2022” e debateu o tema com o corregedor-geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio; o juiz Anderson de Paiva Gabriel, auxiliar no Supremo Tribunal Federal; e os advogados Fernanda Tórtima e Ary Bergher, conselheira federal suplente da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB-RJ, respectivamente. O conselheiro do CNJ, desembargador Mauro Pereira Martins, presidiu a mesa de trabalho do evento que foi aberto pelo diretor-geral da Emerj, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo. 

Na apresentação do tema, o conselheiro Mauro Martins ressaltou a importância do reconhecimento de pessoas no processo criminal, seja ele feito presencialmente ou por fotografia, e alertou sobre os riscos do reconhecimento informal tendo em vista que os requisitos elencados no artigo 226 do Código Processo Penal eram, anteriormente, considerados uma mera recomendação. “Isso era uma tradição, uma cultura na justiça criminal que foi disseminada e gerou uma série de injustiças, de decisões injustas, de prisões indevidas que acarretam consequências extremamente danosas e irreparáveis na vida da pessoa que foi presa, às vezes durante meses, injustamente”, afirmou.  O desembargador Mauro Martins contou que, partindo dessa premissa, o STJ passou então a dar um tratamento diferenciado à questão e mudou a orientação para tratar os requisitos do artigo 226, do Código de Processo Penal, como requisitos formais necessários sob pena de invalidade do reconhecimento. “Esse posicionamento foi, posteriormente, acolhido pelo Supremo Tribunal Federal em um recurso de relatoria do ministro Gilmar Mendes e, em face dessa realidade, o CNJ então criou um grupo de trabalho presidido pelo ministro Rogério Schietti que resultou na edição da Resolução Nº 484 que trata desta matéria e que elenca as formalidades e requisitos necessários para que o reconhecimento ocorra de forma válida”, explicou.

O diretor-geral da Emerj, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, lembrou que a Resolução Nº 484, do CNJ, elaborada a partir de um levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em âmbito nacional, apontou que, em 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial, houve a decretação da prisão preventiva e, em média, o tempo de prisão foi de 281 dias, ou seja, aproximadamente, nove meses e que,  em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas eram negras, o que reforça as marcas da seletividade e do racismo estrutural do sistema de justiça criminal.

Em sua palestra, o ministro do STJ Rogério Schietti reforçou que, com a mudança da jurisprudência a partir de uma decisão do STJ, não se considera mais apenas uma recomendação do legislador a observância dos requisitos contidos no artigo 226 do CPP. “O Conselho Nacional de Justiça deu um passo importantíssimo quando aprovou a Resolução Nº 484 de modo que, hoje, os juízes têm uma diretriz muito bem traçada para avaliar esta prova quando ela vem quase sempre produzida pela polícia”, pontuou. O ministro ponderou que, mesmo quando observados os requisitos do art. 226 do CPP e da Resolução Nº 484 do CNJ, o ato de reconhecimento formal, seja ele presencial ou por fotografia, não é uma prova bastante ou suficiente por si só para uma condenação. “Essa é uma prova que traz um grau de subjetivismo incontornável, é muito pouco para mandar alguém para o sistema penitenciário”, avaliou. Schietti citou a existência de casos de pessoas que permaneceram anos presas e, posteriormente, foi comprovada a autoria de outra pessoa. “Quando nós cometemos um erro judiciário desta natureza, nós não só estamos condenando um inocente ou mantendo um inocente preso como nós estamos permitindo que o verdadeiro culpado fique impune. É um duplo erro. Nós punimos a sociedade, mantendo solto quem deveria estar preso ou, pelo menos, punido de alguma forma e mantemos preso quem jamais poderia ter sido colocado nesta situação”, frisou.

Schietti demonstrou preocupação em relação ao inquérito policial uma vez que temos, hoje, uma atividade investigativa despida de um controle externo, sem a certeza de que o conteúdo do ato de reconhecimento e a forma como ele foi realizado atendem ao que determina a lei, se houve ou não algum tipo de induzimento ou constrangimento durante o depoimento. “Nós aprendemos que prova, no sentido técnico, é aquilo que é produzido sob o contraditório judicial mas nós aproveitamos a prova produzida na delegacia e ela não é prova. Um depoimento prestado numa delegacia não é prova. É um elemento informativo que serve para iniciar o processo, para que o promotor avalie se existe justa causa para o processo, formule a acusação que será objeto de um controle para o juiz quanto à presença mínima desses elementos que tornam verossímil aquela imputação, a hipótese acusatória plausível e, portanto, permite o início do processo”, afirmou. 

O ministro do STJ defendeu o emprego de recursos tecnológicos para corroborar a prova, como filmagens, geolocalização, provas periciais, genéticas através de exames, entre outros.  “É preciso avançar, usar a ciência, tornar a prova produzida em processo e, antes dele, em inquérito, em uma prova epistemicamente confiável, baseada na ciência e, não, na subjetividade das pessoas”, concluiu. 

Schietti aproveitou ainda para parabenizar o pioneirismo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por ter publicado uma recomendação com base no julgado do STJ, de efeito coletivo, no âmbito do Habeas Corpus n° 598.886–SC, de sua relatoria, que estipulou que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e, ainda, quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. O Aviso 2ªVP Nº 01/2022 foi publicado, em 11/01/2022 pelo então 2º vice-presidente do TJRJ e, hoje, corregedor-geral da Justiça, desembargador Marcus Henrique Basílio, recomendando que os juízes reexaminassem as prisões cautelares decretada exclusivamente com base no reconhecimento fotográfico, sem a observância do art. 226 do CPP. “É um gesto institucional que sinaliza a adesão de um tribunal da importância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, da sua magnitude e, simbolicamente, isso teve um valor muito grande e eu faço questão de parabenizar”, elogiou o ministro.

Ao encerrar o evento, o desembargador Marcus Henrique Basílio mencionou diversos temas citados pelo ministro Rogério Schietti que devem ser objeto de futuros seminários, como a invasão em domicílio no caso do tráfico, do juiz de garantias, da dissonância cognitiva, o direito ao silêncio, depoimento policial, injustiças epistêmicas, tortura indireta e a força da Resolução Nº 484, do CNJ. O desembargador Marcus Henrique Basílio abordou ainda a necessidade de realização de cursos para juízes e também com a participação dos servidores da segurança. Para o corregedor-geral da Justiça, é importante o juiz conhecer o tema para saber aplicar no caso concreto. “Debates como esse são fundamentais para que nós possamos prestar uma melhor e mais segura jurisdição”, finalizou o desembargador.

MB

Foto: Brunno Dantas/TJRJ