Número de crianças sem o nome do pai na certidão cai pela primeira vez em cinco anos
Quem vê o apego do pequeno Benício abraçado ao pescoço do seu pai Wellyngson não imagina que, até o seu primeiro ano de idade, um não sabia da existência do outro. Até os onze meses, Benício fez parte da estatística de crianças que nascem sem a identificação paterna no Registro Civil. De acordo com a Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais, mais de 153 mil crianças nasceram no Brasil sem o nome do pai na certidão em 2024. O número, apesar de ser alto, apresenta uma queda em comparação com os quatro anos anteriores.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Corregedoria Geral da Justiça, expandiu o Projeto Pai Presente, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, a fim de combater o sub-registro paterno. O projeto atua em três mil escolas municipais, estaduais e federais na Cidade do Rio, beneficiando crianças na fase da primeira infância, de zero a seis anos. De janeiro a setembro de 2024, a Vara de Registros Públicos do Rio promoveu o reconhecimento paterno de 122 crianças, sendo 82 por audiências e 40 por formulários de reconhecimento espontâneo.
Além das escolas, o projeto também atua nos cartórios de Registro Civil, como informa o juiz Alessandro Oliveira Felix, titular da Vara de Registros Públicos do Rio. “Quando a mãe vai registrar o bebê, é pedido para que ela indique o nome do pai. Nas escolas, as coordenações também verificam quais crianças não têm os nomes e pedem para as mães indicá-los. Nos casos em que o pai espontaneamente reconhece a criança, ele precisa apenas assinar um formulário, que posteriormente será averbado pela Justiça”, explica.
“Na maioria dos casos em que a indicação vem das escolas, o reconhecimento é espontâneo, então não chegam a ser contabilizados como processos. Nessas situações, a paternidade não foi registrada por condições alheias à vontade do homem: porque não tinham os documentos, porque estavam presos, porque tinham alguma pendência com a Justiça, entre outros motivos”, complementa a juíza substituta da Vara de Registros, Raquel Santos Pereira Chrispino.
Foi o caso do vendedor Marcos. Ele tinha perdido os documentos e não pôde registrar os filhos que teve com sua companheira Michelle. O menino foi encaminhado ao projeto pelo cartório e a menina, pela direção da escola. “Me senti muito mal por não poder colocar meu sobrenome nos meus filhos. Eu tive o nome e a presença do meu pai. Sei que isso é importante. Me senti muito feliz quando consegui colocar meu nome na certidão deles”, conta.
Quem compartilha da mesma alegria é o engenheiro Wellyngson. Há três anos ele descobriu que era pai de Benício. E a descoberta que, inicialmente, o amedrontou, se revelou um dos seus maiores prazeres: “O Ben chegou para agregar na minha vida. Para me tornar homem. Desde a primeira vez que o vi soube que ele era meu filho e busquei a guarda dele. Sou grato a Deus por tê-lo por perto, por poder vê-lo crescer, dormir e se tornar um menino carinhoso e justo”.
Marcos e Wellyngson não apenas reconheceram a paternidade, como também se fizeram presentes na vida dos seus filhos. Mas essa ainda não é uma realidade na sociedade brasileira, afirma a assistente social Betania Nunes de Carvalho. “Na maioria dos casos que chegam até nós, os pais sabiam da existência da criança desde a gravidez, mas preferiram se afastar. É comum isso ocorrer quando não há um relacionamento de base entre os pais”, observa.
O impacto negativo que a ausência paterna pode causar nas crianças ainda está sendo estudado, mas a sobrecarga materna e a mágoa que algumas mulheres carregam é notória, reconhece a psicóloga Daniele Aureliano Bloris: “Algumas mulheres chegam aqui feridas porque esperavam que o homem assumisse a responsabilidade na criação do filho. Algumas delas também não tiveram um pai e carregam um vazio. Tudo isso agrava a sobrecarga materna”.
A estudante Renata* passou por essa situação. Após ter engravidado, o pai indicado a rejeitou e ela se viu assumindo todo o cuidado sozinha. “Ele não esteve comigo quando estava grávida e nem quando nosso filho ficou duas semanas internado com pneumonia quando tinha dois meses de vida. Isso me dói. Eu tenho o nome do meu pai na certidão, mas não sei o que é tê-lo por perto porque ele também virou as costas para mim. Eu não quero que isso ocorra com meu filho”, afirmou.
Renata e o pai indicado estão sendo atendidos pelo Projeto Pai Presente e, atualmente, o processo está em fase de marcação do exame de DNA para a comprovação da paternidade.
*Nome fictício
KB/FS