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Injusto, mas redentor
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 24/12/2018 11:00
Em ensaio, desembargador avalia como foi julgamento de Jesus Cristo

Crimes? Blasfêmia e conspiração.

Defesa? Sem direito.

O julgamento? Injusto.

A sentença? Cruel, mas redentora para quem tem fé.

Recurso? Aos céus e à história da Humanidade.

O réu? Jesus de Nazaré.

Essa é a síntese de quem teve o trabalho de observar a narrativa neotestamentária e comparar com as leis de Moisés, do Antigo Testamento, sobre o julgamento de Jesus Cristo na perspectiva processual criminal contemporânea. Coube ao desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), propor uma reflexão: o julgamento ao qual Jesus Cristo foi submetido foi justo?

“Com toda certeza, não. Nos tribunais de hoje, certamente seria absolvido”, sentencia o magistrado, que frisa não ter aplicado quaisquer metodologias científicas ou teológicas ao redigir o ensaio. O texto do desembargador faz parte do livro 'Os grandes julgamentos da história' (José Roberto de Castro Neves (Autor), editora Nova Fronteira).

Segundo Bezerra de Mello, não foram poucas as irregularidades cometidas contra Jesus, desde o rito processual à culpabilidade dos crimes. Considerado a Luz do Mundo, Jesus foi detido à noite, o que contraria as leis da época.

“A lei romana exigia uma prévia ata formal de acusação contra o primeiro ato ao justificar a prisão de uma pessoa, mas o documento não existiu. E a lei judaica não permitia que nenhum processo fosse iniciado à noite. Houve um favor do Estado dominante (Roma) ao dominado (Judeia). Juntos tramaram contra Jesus”.

Passada a prisão, Jesus sofre nova irregularidade processual por não ter qualquer testemunha de acusação dos seus crimes, função tão importante que a ela era atribuída a iniciação da execução da pena de morte, de acordo com as leis mosaicas. Da casa de Anás ao corrompido Caifás, passando pela decisão do Grande Sinédrio, Cristo é réu em uma audiência da qual o juiz também é acusador. Tanto que Caifás, o sumo sacerdote, rasga a túnica e apela gritando que as testemunhas são dispensáveis, conforme o relato bíblico endossado pelo desembargador.

“É importante destacar que como o processo no Direito Hebraico começava a partir da iniciativa de no mínimo suas testemunhas e de um advogado de defesa para refutar as acusações. Mas diante desse quadro, a condenação à morte foi unânime”, afirma o magistrado.

Blasfêmia: o crime que não ocorreu

Uma das acusações contra Cristo era de que ele teria blasfemado ao assumir-se como Filho de Deus. Para o magistrado, a humildade e servidão de Jesus mostram que ele reconheceu a autoridade divina, sem se sobrepor ou querer substitui-la. E uma das provas favoráveis a Jesus, de acordo com o desembargador, está na própria oração do Pai Nosso, que está nos céus. “A condenação, além de injusta, tornou-se ilícita”.

Para os romanos, um conspirador, um traidor

Ao ser levado dos judeus para os romanos, o desembargador observa que além de blasfemo, Jesus foi considerado um conspirador, pois estaria negando a autoridade de César ao se intitular rei dos judeus, “colocando em risco a sociedade, insuflando as massas e provocando perigosa instabilidade política”, pontua o magistrado.

Para o desembargador, a acusação feita dos judeus aos romanos é “astutamente modificada” e se transforma em traição, crime lesa-majestade, cuja condenação também é a morte. Só que Pôncio Pilatos, governador da Judeia, afirma não encontrar qualquer delito em Cristo.

“Tivesse Pilatos alguma vocação mística ou religiosa, poderia entender a mensagem, mas, independentemente deste fato, resultou a ele a conclusão de que estaria, no mínimo, diante de um lunático”, observa Bezerra de Melo.

O resto da história: o júri popular, a condenação a crucificação e a ressurreição seguem a narrativa conhecida por todos. Para o desembargador, a conclusão é de que, além de injustos, os atos cometidos contra Jesus, iniciados no contorcionismo jurídico dos líderes religiosos judaicos e concluídos na fraqueza moral dos romanos, foram contrários à lei vigente.

Bezerra de Melo avalia que a lição que Jesus deixa é de que embora Cristo soubesse de todas as injustiças que sofreria, se submeteu a elas como demonstração de amor aos homens.

FB/JAB