Redução do encarceramento demanda leitura crítica de causas, apontam especialistas

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Com a proposta de que a magistratura tenha uma leitura sistêmica dos desafios penais da atualidade, o que inclui a necessária redução do encarceramento, foi realizada na última semana a conferência magna que encerrou o primeiro módulo da especialização “Jurisdição Penal Contemporânea e Sistema Prisional”. O curso inédito é uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

 

Para o ministro da Suprema Corte Argentina Eugenio Raúl Zaffaroni, as saídas para a diminuição do encarceramento não estão somente no Direito Penal, mas também em decisões políticas de combate às desigualdades. “Cada um dos sistemas que fizeram época no Direito Penal respondeu a uma realidade política, social e econômica. Precisamos fazer as nossas doutrinas segundo os nossos momentos, nossa história e nossa realidade”, explicou ele, que também é professor de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires.

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2020, o Brasil possui cerca de 734 mil pessoas privadas de liberdade. Com esse número, o país atinge a marca de terceira maior população carcerária do mundo. Já no ranking de aprisionamento, o Brasil possui 338 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, taxa que cresceu mais de 30% na última década.

A superação do sistema prisional como única saída foi defendida por Zaffaroni. “Temos uma criminologia científica e temos uma criminologia midiática. Esta criminologia midiática cria na sociedade uma imagem falsa do que é o sistema prisional, do que é delinquente e o que é criminalidade. E esses conteúdos carregam sentidos políticos também”.

Para o professor de Direito da Universidade de São Paulo Sérgio Salomão Shecaira e a juíza federal Caroline Somesom Tauk, é necessário redefinir as políticas de enfrentamento aos crimes de drogas, uma das principais portas de entrada no sistema prisional. “Não são os fatores externos ao sistema penal que fomentam o crescimento do cárcere. Ou seja, não é o aumento da criminalidade. Ao contrário, o aumento de taxas de encarceramento decorre exclusivamente dessas reformas legislativas que são punitivistas ao extremo”, destacou Shecaira.

A juíza federal Caroline Somesom Tauk enfatizou que as medidas de encarceramento têm prejudicado ainda mais as mulheres. “Já são dez anos da adoção das regras de Bangkok – regras das Nações Unidas para mulheres presas -, e a população carcerária feminina aumentou significativamente no mundo todo. Então, parece que a gente andou na contramão dessas regras. É importante a gente refletir qual o contexto que leva essas mulheres ao crime. A maior parte delas vem de um cenário de pobreza. São mães, vítimas de diversas formas de violência, em destaque a sexual, e recrutadas ao crime por seus maridos e namorados. E a resposta penal não faz uma abordagem com essa perspectiva do gênero”, explica a juíza Tauk.

Em sua participação, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, destacou que medidas como as audiências de custódia – que completaram seis anos em 2021 – são importantes para a diminuição da superpopulação carcerária. “Destaco a importância de debater o relevante tema do encarceramento. Este curso realça que o Judiciário brasileiro não está omisso diante dessa realidade”, apontou.

Sobre a especialização

A especialização é inédita e voltada para magistradas e magistrados como parte de produtos de conhecimento lançados pelo CNJ em 2020 com uma leitura atualizada sobre os desafios na porta de entrada do sistema prisional. Tanto o curso quanto os produtos integram as atividades do programa Fazendo Justiça, parceria iniciada em 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para avanços no campo penal. Na área das audiências de custódia, o programa tem o apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

O curso, iniciado em agosto de 2021, será realizado até maio de 2022 e envolve 40 magistrados e magistradas de todo o país com atuação na área penal. Entre os temas abordados, estão uma abordagem crítica sobre a efetividade do sistema penal no Brasil e no mundo, as audiências de custódia, as alternativas ao encarceramento e o controle da superlotação carcerária pelo Judiciário.

José Lucas Azevedo
Agência CNJ de Notícias