A desembargadora Maria Angélica Guimarães Guerra Guedes discursa durante a abertura do evento
“O que tirou as algemas de vocês?”, perguntou o professor Everaldo Carvalho, responsável por mediar a roda de leitura sobre o livro Insubmissas Lágrimas de Mulheres, de Conceição Evaristo. “A educação!”, responderam as detentas da Cadeia Pública Crispim Ventino, em Benfica. A resposta marcou de forma simbólica a 10ª edição do projeto Mentes Literárias – Da Magia dos Livros à Arte da Escrita, realizada na tarde da última sexta-feira, 3 de outubro.
Com apoio do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (Seap) e da Editora Giostri, a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contou também com o lançamento de duas obras escritas pelas próprias internas: Travesti Não é Bagunça, Não! e A Mulher e o Sistema Prisional.
Projeto Mentes Literárias
Lançado em agosto de 2024, dentro do programa Fazendo Justiça — em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e com apoio da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) — o projeto integra o plano Pena Justa, que busca universalizar o acesso à leitura no sistema prisional e contribuir para a superação do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) do sistema carcerário, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O conselheiro do CNJ e desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), José Edivaldo Rocha Rotondano, é o idealizador da iniciativa e destacou a importância da expansão para o Rio de Janeiro.
Em suas palavras, a edição carioca trouxe “um diferencial especial”, porque foi voltada para um presídio feminino, uma unidade destinada a pessoas trans, permitindo ouvir histórias “profundamente tocantes” de pessoas já marcadas pelo estigma do encarceramento e, no caso de travestis e homens gays, a vulnerabilidade é ainda mais acentuada.
“Hoje, trazer esta edição para o Rio de Janeiro teve um sabor diferenciado, porque o projeto está se expandindo. Estou deixando o CNJ em janeiro, mas tenho a esperança de que o projeto continue crescendo. Quem esteve presente pôde testemunhar a emoção de conviver no sistema prisional, ver as pessoas trazendo para o papel suas emoções, suas marcas, suas lições e aprendizados. Esse é o grande valor do projeto: ouvir a comunidade aprisionada, acolher essas pessoas e fazer com que o Poder Judiciário esteja cada vez mais engajado no sistema prisional, escutando e reconhecendo o sofrimento de quem está no cárcere. Essa é a marca registrada do Mentes Literárias”, completou o conselheiro.
Já a 2ª vice-presidente do TJRJ e supervisora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), desembargadora Maria Angélica Guimarães Guerra Guedes, representando o presidente do TJRJ, desembargador Ricardo Couto de Castro, falou sobre a relevância do programa como instrumento de ressocialização. “O projeto tem uma importância muito grande de ressocialização. Essas pessoas do sistema prisional pensam na vida, no futuro. Por meio do projeto, elas abriram suas mentes e ampliaram seus horizontes, no sentido de buscar se reintegrar e se libertar, não só da cadeia, mas também como pessoas, seres humanos”, afirmou.
Recomeço pela escrita
Ambos os livros lançados apresentam as perspectivas das detentas dos presídios Oscar Stevenson e Evaristo de Moraes, relatando suas histórias e experiências de vida. Nas rodas de conversa, diversos relatos evidenciaram também a escrita como uma ferramenta para processar traumas internos. Ao relatar sua experiência, uma das autoras do livro A Mulher e o Sistema Prisional, F.R.S., compartilhou a emoção de ver sua história registrada.
“Escrever um livro? Quem diria! Eu, escrevendo um livro. Falar da vida dos outros é fácil; falar da própria vida é mais difícil, ainda mais quando se vive a privação de liberdade, onde tudo é complicado. Preciso viver pela minha família e manter a cabeça erguida para seguir em frente. Nada está perdido. Sou guerreira e conto com a fé em Deus, porque Ele é o único que pode mudar minha sorte”, disse.
Já uma das autoras do livro Travesti não é bagunça, não!, M.L., ao falar de sua história, contou que a autoaceitação foi fundamental para melhorar sua vida. “Eu me aceitar foi a melhor coisa que fiz. Hoje, eu sou uma mulher feliz, alegre, com uma autoestima maravilhosa”, afirmou.
Também estiveram presentes no evento o coordenador do GMF/RJ, desembargador do TJRJ Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira; o secretário-geral adjunto da OAB-RJ, Sérgio Antunes Lima Júnior, representando a presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basílio; os juízes da Vara de Execuções Penais Rafael Estrela Nóbrega e Tiago Fernandes de Barros ; o juízes auxiliares da 2ª Vice-Presidência do TJRJ Marcello Rubioli e Daniela Bandeira de Freitas ; a juíza coordenadora do projeto Mentes Literárias, Rosemunda Souza Barreto Valente; a secretária de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, Maria Rosa Lo Duca Nebel; e o facilitador do projeto Mentes Literárias, o editor e escritor Alex Giostri.
VM/SF
Fotos: Felipe Cavalcanti/TJRJ