A aplicação de abordagens autocompositivas e práticas restaurativas poderiam ser utilizadas como estratégias importantes na prevenção e responsabilização de adolescentes relacionados a atos infracionais. Tais medidas buscam promover a proteção social, de forma a evitar a necessidade de intervenção do sistema de justiça infantojunvenil.
As técnicas têm previsão na Lei n. 12.594/2012, que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), como ações prioritárias nesses casos. A excepcionalidade da intervenção judicial em relação aos adolescentes também faz parte da norma. Contudo, conforme apontado no artigo “A desjudicialização do atendimento ao adolescente em conflito com a lei: uma proposta de reflexão com base no pensamento sistêmico”, publicado na primeira edição da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista CNJ) de 2022, as práticas e medidas autocompositivas e restaurativas só têm sentido se aplicadas na fase pré-processual da apuração do ato infracional.
Acesse a íntegra da e-Revista CNJ
O texto questiona se as normas de atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atendem os objetivos e princípios que orientam o Sistema de Justiça socioeducativo, e se produzem efeitos compatíveis com os objetivos do atual modelo estabelecido na lei do Sinase e em outras normativas e tratados internacionais.
A resposta, afinal, é que, diferentemente do que fazem as medidas preventivas, o procedimento previsto no ECA não permite que sejam trabalhados os relacionamentos nem identificadas conexões entre os eventos. Segundo o pensamento sistêmico, que analisa fenômenos complexos, ao se observar o contexto como um todo, é possível perceber essas inter-relações que podem moldar padrões de comportamento e os impactos sobre esse sistema. Sem essa análise, a compreensão sobre o contexto em que o ato infracional se originou, que pode apresentar sintomas de disfunções em sistemas familiares ou comunitários no qual o adolescente está inserido é relegada a segundo plano.
Para as autoras, a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e professora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Taís Schilling Ferraz; e as mestrandas da Enfam e juízas Claudia Catafesta (TJPR) e Cristina de Albuquerque Vieira (TRF4), o envolvimento de adolescentes na prática de atos infracionais é complexo e multicausal, “motivo pelo qual a busca de soluções para essa problemática não pode seguir uma lógica binária de erro e punição, não responde a intervenções que pressupõem relações lineares de causa e efeito e que desconsiderem todo o espectro de causas e contexto que pode motivar esse envolvimento”.
Nesse sentido, o novo paradigma da proteção integral pressupõe mudanças contempladas pela justiça restaurativa. Conhecida por ser um método com potencial para a resolução de conflitos e pacificação social – o que complementa o papel do sistema jurisdicional – a medida busca, a partir do conflito, trazer à tona questões subjacentes, identificar necessidades tanto da vítima quanto do ofensor, e restaurar não apenas o dano provocado com a conduta, mas as relações afetadas. “Todo esse processo é implementado com a participação ativa dos envolvidos no conflito e com o apoio da comunidade, o que estimula o desenvolvimento da autoestima, por meio da sensação de acolhimento e pertencimento, bem assim da assunção da reponsabilidade ativa”, afirmam as autoras.
Essa perspectiva preventiva e a preocupação com a excepcionalidade da intervenção judicial, contudo, são negligenciadas na racionalidade punitivista ainda presente em todas as etapas do modelo formal de justiça e aplicada no cotidiano. De acordo com as especialistas, “o modelo retributivo coloca a responsabilidade primária pelos problemas sociais adjacentes e precedentes ao ato ilícito – como saúde mental, pobreza e educação – no âmbito da Justiça socioeducativa, que não está estruturada ou concebida para tratar tais privações”.
A aplicação dos métodos autocompositivos e das práticas restaurativas na fase preliminar da apuração do ato infracional, dessa forma, poderiam, não apenas alinhar a prática às normas nacionais e internacionais vigentes, como também contribuiriam para resultados efetivos de responsabilização do adolescente, evitando a inserção no sistema de Justiça, sem prejuízo para a formação do ser humano.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias