Cipop-Rua/RJ completa um ano com cerca de 29 mil atendimentos
Ubiratan encontrou no Cipop a oportunidade de resgatar seus documentos e a cidadania perdida no tempo em que morou na rua
É num ambiente simples, composto basicamente por bancos enfileirados e guichês de atendimento espalhados por 300 metros quadrados e um pé direito de mais de seis metros de altura que suspende os olhares reflexivos e convida a sonhar com uma nova vida que centenas de pessoas em situação de rua repetem, há um ano, a pequena, mas significativa frase: “Aqui me sinto em casa”.
É assim que Ubiratan Silva Teles, 53 anos, se percebeu ao cruzar a porta do Centro de Atendimento Integrado às Pessoas em Situação de Rua, o Cipop-Rua/RJ, situado junto à Central do Brasil, na quarta-feira (2/4), exatamente um ano após a inauguração do espaço que registra 15.196 ingressos e 28.901 serviços utilizados por pessoas como o eletricista, ali chegado na esperança de resgatar a cidadania engolida pela rua.
“Entrei e me senti acolhido. Na hora, entendi que o resgate da minha vida estava aqui. Perdi meus documentos na rua e, sem eles, nada posso fazer. Vivi nas ruas por mais de um ano e, há uma semana, aceitei o recolhimento voluntário e fui para um abrigo. E eles me trouxeram até aqui. Preciso de um emprego para recomeçar e já me disseram que sairei daqui com documentos, o primeiro passo para trabalhar”, disse, enquanto dava sequência aos seus pedidos, entre uma estação e outra dos diferentes atendimentos oferecidos no espaço.
Maicon vive nas ruas e buscou o Centro Integrado para tirar a carteira de identidade e utilizar outros serviços
Pouco antes de Ubiratan chegar, João Maicon, 31 anos, inaugurava a fila de senhas da quarta-feira passada. Diferentemente de Ubiratan, ele ainda não fez a escolha por um abrigo e vaga por ruas e vielas nas bandas da Central do Brasil. Porém, entra e sai do Cipop como se estivesse em casa, em busca de novas vias de documentos. E de certa forma está, tamanha é atenção do staff do Centro com ele. O homem magro, comprido e empoeirado, que carrega uma tosse e ansiedade visíveis, é tratado com carinho, chamado pelo nome – uma “regra” do espaço.
Disposição para o acolhimento
Sempre com disposição e sorriso no rosto, a equipe de atendimento se desdobra para atender diferentes necessidades das pessoas que buscam ajuda no espaço
No Cipop todos entendem a urgência de Maicon e dos que por ali passam em busca de resgates dos documentos, de emprego, do amor próprio, de um lar, da cidadania. Tudo o que a rua, onde foram parar por diferentes razões, lhes fez deixar para trás.
“Nesse um ano de trabalho, muito mais do que os nós que desatamos, o gratificante é dar a essas pessoas uma sensação de pertencimento. Ouvir ‘aqui a gente se sente em casa’ de quem não tem casa é emocionante e gratificante”, diz Tereza Guimarães, da equipe de assessoria do Centro. Bernadete Queiroz, também da assessoria, faz coro a Tereza. “A história de vida dessas pessoas me emociona. Fazer um serviço dessa natureza gratifica”, completou.
As duas e mais os outros trabalhadores do local somam cerca de 30 pessoas, incluindo os dos órgãos participantes na prestação dos serviços oferecidos. No Cipop estão presentes o TJRJ, que também coordena o Centro; Detran-RJ, Fundação Leão XIII, Junta Militar, Defensoria Pública, TRE, OAB, Ministério do Trabalho, TRT, Assistência Social, Sine, INSS, entre outros, que possibilitam o acesso à certidão de nascimento, carteira de Identidade, CadÚnico, processos trabalhistas, regularização do alistamento militar, encaminhamento para vagas de emprego, benefícios como o bolsa-família, pedidos de isenção de taxa para retirada de documentos, por exemplo.
‘Somos uma família’
'Beth Fashion', chefe de limpeza, ganhou o apelido por conta das roupas doadas ao Cipop e que são distribuídas por ela às pessoas em situação de rua
Para dar conta do crescente número de ingressos de pedidos, foram 159 só no dia 1º de abril, a turma se desdobra no “faz-se de tudo um pouco”, embora cada um tenha funções definidas. Um desses é João Batista de Jesus, que exerce, dependendo do momento, o papel de orientador dos que chegam na portaria, de “acalmador” de ânimos, e até “psicólogo”, quando precisa “dar uma ideia”. “Estamos aqui há um ano. E todos os dias nos deparamos com os invisíveis. Esse tempo foi de esperança. Um ano de luta e gratidão. Aqui é uma família”, atesta João, que mora vizinho ao Centro, no Morro da Providência, e relata saber a importância de alguém lhe dar a mão por experiência própria.
E o que dizer da sorridente “Beth Fashion”? Sim, é assim que Elizabeth Batista de Menezes é conhecida no Cipop. A chefe da limpeza é durona, coloca ordem nos bagunceiros, mas se desmancha em carinho e sorrisos quando distribui uma peça de roupa doada ao Centro aos que lá chegam basicamente sem nenhuma – daí a origem do apelido. “É gratificante trabalhar aqui. Me deixa feliz. Eles precisam da gente. E precisamos passar para eles alegria”, fala, abrindo o sorriso.
Outra da “família” é Andressa Almeida, a “Índia Albina” por conta dos cabelos avermelhados. Também há um ano trabalhando no local, Andressa destaca que “o trabalho no Centro de Atendimento é um diferencial na vida de todos” que ali trabalham. “Não canso de me emocionar”.
Aniversário e planos
O aniversário de um ano foi comemorado de forma simples, com bolo e salgadinhos, e teve a presença da desembargadora Renata Cotta, uma das coordenadoras do Centro de Atendimento
No dia 2 de abril, data em que o Centro de Atendimento Integrado às Pessoas em Situação de Rua completou um ano, uma comemoração rápida e simples, com salgadinhos, bolo e refrigerantes, foi realizada bem cedo, antes do início do atendimento. A comemoração contou com a presença da desembargadora Renata Cotta, presidente da Comissão de Articulação de Programas Sociais do TJRJ e coordenadora do Centro junto com os desembargadores Marco Aurélio Bezerra de Mello e Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues.
Por vezes emocionada, especialmente após a leitura de uma carta de agradecimento enviada ao Cipop por uma pessoa que por lá passou e teve a vida transformada a partir de então, a desembargadora destacou a importância do Centro e de sua ampliação; disse que a criação da unidade de Niterói está próxima e que o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Pablo Coutinho Barreto estuda a possibilidade de replicar o Centro de Atendimento Integrado às Pessoas em Situação de Rua pelo Brasil.
“Foi um ano difícil, um ano em que a gente aprendeu com nossos erros, mas também foi um ano de muitas conquistas. Hoje, você tem um centro que está sendo digitalizado. Conseguimos ter a estatística correta do atendimento e vimos que dá certo. Agora, é aperfeiçoar os nossos serviços e tentar aumentá-los. Esse projeto é um projeto de justiça. É um trabalho através do qual se resgata cidadania, que move uma parte social, mas acima de tudo é um projeto de Justiça. Quando você resgata a cidadania, quando você tira pessoas da rua e dá para elas uma oportunidade de trabalho, você dá uma motivação. E isso evita que uma pessoa se transforme num criminoso”, resumiu.
FS/MB
Fotos de Brunno Dantas