Adoção internacional por Alyrio Cavallieri

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  ALYRIO CAVALLIERI Ex-Juiz de Menores; Secretário da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro; Vice-Presidente da Associação Internacional de Magistrados da Juventude e da Família.

 

ALYRIO CAVALLIERI Ex-Juiz de Menores; Secretário da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro; Vice-Presidente da Associação Internacional de Magistrados da Juventude e da Família.

Em 1970, uma senhora sueca, viúva, que morava no Rio, frequentava o orfanato Romão Duarte, onde, como voluntária, ajudava com as crianças. Um dia, procurou o juizado e me disse que tinha pena de crianças que jamais eram visitadas por parentes, enquanto na sua terra, a Suécia, casais queriam filhos e não conseguiam. Conversei som o curador Araújo Jorge e a assistente social Julieta Pires. Vamos experimentar? Mas não havia nenhuma lei, nem jurisprudência, nem prática anterior conhecida. Inventamos três condições: 1. vamos pedir a lei de lá, para saber se nossas crianças não seriam pessoas de segunda classe naquele país; 2. vamos pedir um estudo da família, como exigimos dos brasileiros aqui e 3. só vamos mandar criança que não tenha nenhuma possibilidade de obter família brasileira. Fizemos os processos, tudo certo, o estudo das famílias era uma beleza, com exames, testemunhos e até recomendação do cônsul brasileiro de lá. Mandamos 7 crianças.

Vinte anos depois, pessoal da NIA, que trata de adoção no governo sueco, vem ao Rio. Pedi para localizarem os brasileiros que tinham ido para lá. Recusaram-se. Mas botei no bolso de um deles uma lista com nomes e endereços das famílias. Dois meses depois, vem uma carta: haviam encontrado seis. Entrei em desespero. Que bobagem havia feito: e se algum estivesse preso, miserável, sei lá. Passaram-se mais dois meses e vieram os relatórios. Telefonei para a TV-Globo. O resto já sabem: o Fantástico fez aquela reportagem. Maria Lundim é professora de dança clássica. Julie Nordvall trabalha em clínica de idosos. Marcos é enfermeiro. Fátima, que fora com 9 anos, perdeu o pai e herdou algum dinheiro. Lourdes é secretária e joga golfe. David é alpinista e faz o serviço militar. Passam-se 5 anos e ALYRIO CAVALLIERI Ex-Juiz de Menores; Secretário da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro; Vice-Presidente da Associação Internacional de Magistrados da Juventude e da Família. Revista da EMERJ, v.1, n.2, 1998 chamam-me no consulado. Havia faltado um. Mostram-me a foto, numa revista, de um rapaz que parece astro de cinema: é o Matias. É guia de turismo. Levou um grupo à Turquia, o ônibus pegou fogo, Matias salvou muitos, e hoje é um herói sueco.

Em junho de 1996, Maria e Julie vieram ao Brasil com suas mães. Visitaram a Romão Duarte várias vezes, queriam conhecer a casa de onde saíram. Choravam o tempo todo. Trouxeram malas de presentes para as meninas de lá. Almoçaram lá em casa. Comeram feijão com farofa e beberam guaraná. São morenas e lindas e só falam inglês e sueco. Eu estava tão emocionado que fingi que almocei. Cantaram uma canção sueca que falava que nosso encontro já estava escrito, há muito tempo. Não é uma história bonita? Aquelas três regrinhas, citadas lá em cima, inventadas no Juizado do Rio, há tantos anos, hoje fazem parte de leis, tratados, convenções e até do Estatuto da Criança e do Adolescente, no meio de muita impropriedade que está nele. São puro bom senso. Mas teriam funcionado sem algo que não está na lei, o amor?